Já abria a porta quando o telefone tocou. Àquela hora só
podia ser mamãe, e era. Pediu que fosse lá urgentemente. Não adiantou dizer
estar em cima da hora para o voo. Entre um fungado e outro disse que papai
havia deixado um pacote para mim que deveria ser aberto imediatamente.
Argumentar que estaria de volta à noite foi inútil. Já no táxi me ligou para o
celular - não tinha chance alguma de fuga. Desempacotar o embrulho de papel
madeira selado com fita adesiva exigiu a ajuda de um estilete bem afiado. O
velho estava a fim de me dar trabalho. Mamãe repetia incessantemente que
encontrara o pacote sobre o birô do escritório uma semana antes da morte dele.
Havia um bilhete para ela dizendo que só entregasse o pacote naquela exata
manhã bem cedo. Envolto em uma folha A4, um mil duzentos e cinquenta Reais. Na
dita folha apenas uma ordem e um conselho.
“Compre um caderno e um lápis e
confie na sorte”. Só podia ser brincadeira, mas acreditar que meu falecido pai
me insultava nos últimos momentos de sua produtiva vida era impossível. A
lembrança que a única livraria aberta àquela hora seria a do aeroporto me
trouxe grande alívio. Beijei a testa materna e peguei o táxi. Antes de fazer o
check-in corri para a livraria. Estava pagando quando escutei a última chamada
de meu voo. A moça da empresa aérea, entendendo meus motivos, se desculpou pelo
meu atraso e me botou no próximo voo com saída em duas horas. Sentei numa mesa
do café. Um SMS do celular confirmou o débito de quinze reais e quarenta e
quatro centavos de minha conta. Abri o caderno e comecei a rabiscar pequenos e
inocentes versos, fazendo pequenas anotações e contas sem sentido. A notícia da
queda do avião me abalou profundamente, mas quando a lotérica abriu tudo estava
muito claro para mim. Risquei os números 1-2-3-4-5-6 da Megasena e sai da
lotérica com o sorriso sem razão dos milionários e a cabeça cheia de ideias.
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