Nunca
passei fome. A geladeira de minha infância estava sempre repleta de
refrigerantes, pudins, sorvetes, sucos e tudo mais que enche de felicidade a
vida de qualquer criança. Comia sem parar para orgulho desconfiado de meus
pais. Os movimentos maxilares eram harmônicos e simultâneos a todos os atos
naturais e obrigatórios do dia. Quando ficava doente então é que a coisa
desandava. Passava o dia na cama absorvendo calorias que se acumulavam sem pena
nas minhas formas. Nem o estirão da adolescência conseguiu esticar a redondeza
de meu corpo. Discriminado pelo IMC me reclui nos estudos. Devorei tanto
chocolates quanto apostilas do pré-vestibular e entrei sem dificuldade na
faculdade. Foi onde conheci a Rosinha, que de pequena só tinha o nome (Rosinha
não era apelido, era o nome dela mesmo). Encontrei nela a minha bola-metade.
Assistíamos às aulas degustando bombons, lanchávamos pensando no almoço, sempre
lado a lado. Transávamos, entre um biscoito e outro, duas noites na semana,
quando fingíamos estudar no meu quarto até tarde, e nos finais de semana quando
os pais dela fugiam para a casa de campo da família e deixavam a filha com a
geladeira repleta de guloseimas a compartilhar comigo. Quando percebemos que o
avolumado em sua barriga não era fruto apenas de nossas libações a mesa, era
tarde demais para o aborto. Formamo-nos com louvor unânime dos professores e de
nossos colegas. Morri de um infarto fulminante na festa de formatura, enquanto
dançava com a colega mais bonita e esbelta da turma. Rosinha ainda tentou
respiração boca-a boca, mas era tarde demais para os meus 150 quilos de vida. Rosinha
imputou à comida toda a culpa daquela desgraça. Passou a fugir das calorias que
me matara e dos homens que a cercavam cativados pela formosura que ela ficou. O
único homem com quem dividiu sua cama foi o nosso filho. Este, apesar da luta
da mãe, ganhava quilos com a facilidade genética herdada dos pais. Quanto mais
ele crescia mais ficava parecido comigo, para desgosto da mãe, que em vão
tentava lhe impingir um regime de fome. Quando completou 15 anos começou a
emagrecer. A alegria da mãe só acabou no dia que o levou ao hospital e
descobriu a Diabetes que o matou faltando três dias para completar 16. Até hoje
Rosinha só come alface, não bebe nada que tenha álcool, não fuma, não faz sexo, acho
que se masturba vez ou outra. Diz que viverá até os cem.
Nenhum comentário:
Postar um comentário