A
maioria dos casais de amigos conhecidos trocava presentes no dia 12 de Junho.
Doce ilusão dos “eternos namorados”.
Com
ele era diferente. Combinara com a mulher que não sucumbiriam ao apelo
consumista de um mercado capitalista explorador do sentimentalismo cristão e
ocidental de uma sociedade hipócrita e conservadora. Há quinze anos viviam alheios
a este tipo de ilusão. Tinham uma união baseada no respeito mútuo; um amor
maduro e sólido, sem brechas para pieguices.
Entretanto
ultimamente vinha notando pequenas diferenças nas atitudes da companheira. O
banho mais demorado, um apuro a mais no vestir, mais carinhosa, solta e
desinibida na cama.
Decidiu,
racionalmente, não criar aquela pulga atrás da orelha e inquiriu-a. “É o tesão
pelo meu maridinho que aumentou”, ouviu cheio de satisfação e orgulho.
Ontem,
vasculhando seu guarda-roupa em busca de um sabonete, deu de cara com o pacote.
Pelo formato devia ser uma caneta. Não é que ela iria fazer-lhe uma surpresa. O
espanto inicial foi substituído pela decepção do pacto ideológico ultrajado.
Ela sucumbira ao capitalismo e ao sentimentalismo piegas. Deixou a caixa no
lugar com a mente ocupada pela dúvida. Retribuir ou não o presente. Dormiu mal
aquela noite, pensando no que daria para ela, tarefa mais que difícil depois de
tantos anos de abstinência. No trabalho os colegas só falavam da programação
para a noite. Presentes, flores, jantares, motel. E ele de lado, indiferente
por fora e um turbilhão por dentro. Como a mulher podia ter feito uma coisa daquela
com ele? Resolveu sair mais cedo e olhar as vitrines no shopping. Rodou, rodou,
rodou e nada. Tudo lhe parecia tão supérfluo. As lojas enfeitadas de corações, os
mesmos jargões adocicados repetidos ano após ano, as vendedoras solícitas e
sorridentes perguntando: “É presente pra namorada?”. “Não, é pra sua avó”, a
resposta impaciente calava na ponta da língua.
Não,
não e não. Aquilo não podia estar acontecendo com ele, um baluarte da
racionalidade, o inimigo número um do consumismo. Entrou na livraria, escolheu
o recém-lançado livro do Rubem Fonseca, que recebera uma ótima crítica, e
resolveu o problema.
Chegandoa
casa, tomou um banho demorado. Ligou pro Tele Entrega da Pizza Hut e fez o
pedido. “Vai demorar cerca de uma hora senhor, temos muitas entregas esta
noite”, avisou a moça do outro lado da linha. Abriu uma garrafa de um tinto
português e ficou bebendo enquanto punha a mesa.
Ela
chegou mais tarde que o costume. Deu um gole no vinho e foi para o banho. Botou
um vestido de casa.
-
Já jantou?
-
Pedi uma pizza
pra nós, respondeu mostrando a mesa posta.
Sentou-se
languidamente no colo do amado. O beijo de língua foi interrompido pela
campainha do interfone.
Retirou
a mesa e guardou os pedaços restantes na geladeira bebendo devagar a última
taça do vinho dando o tempo que ela pediu para se preparar.
Acordou
já claro com uma pequena dor de cabeça. Lembrou que não lhe dera o livro, mas
relaxou porque ela também esquecera o dele. Tomou banho e uma xícara de café. Antes de
sair deixou o livro na cabeceira da bela e adormecida princesa. Ao meio-dia
recebeu um telefonema dela convidando-o para almoçar. Chegou ao restaurante
antes do combinado. Estava no segundo chope quando ela chegou toda sorrisos.
-
Rompeu o nosso
pacto né. Essa você me paga! Mesmo atrasada: Feliz dia dos Namorados querido, e
passou-lhe o pacote que ele abriu bem devagar, sem rasgar o papel.
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