Paul
nunca foi um homem completo. Perdeu cedo o pai e, levado pelo padastro holandês
para a antípoda Austrália, não encontrou outra pátria, e tem de carregar uma caixa de palavras para dominar o inglês.
Abandonou a faculdade de ciências e retornou à França, sendo acolhido como um francês imaginário, um estrangeiro, um
estranho á família. Tornou-se um fotógrafo de relativo sucesso financeiro por
suas qualidades técnicas e não artísticas. Viveu um casamento morno e sem
filhos até o dia em que a mulher o abandonou por outro. Chegou aos sessenta em
plena forma física. É amante canino,
sem paixão, da mulher de um amigo. Circula desenvolto por Adelaide em sua
bicicleta até o dia em que perde a perna direita em um acidente que desmascara
sua solidão. O suicídio não parece uma solução viável, mas preferiria ter
morrido no acidente. Ao recusar a prótese assume sua posiçao de um homem menor, nega-se a ser um novo homem
e torna-se dependente dos cuidados de terceiros. É quando surge duas mulheres
na sua vida. A primeira, uma delicada
enfermeira, ex-restauradora croata,
desperta nele o instinto do amor. Para conquistá-la oferece-se como protetor,
padrinho de seu filho adolescente, provedor de seus estudos. Acolhe-o em seu
apartamento quando ele briga com o pai. Sua vontade
de fazer o bem atinge a filha do meio, não a conhece, mas livra-a de uma embaraçosa acusação de roubo. O
contra-ponto surge na figura enigmática de Elisabeth Costello, escritora famosa
porém solitária em sua eterna briga em defesa dos animais e vegetariana
radical. Costello julga, direito a que todo criador se dá, poder se intrometer
na vida de Paul, exigindo dele uma tomada de decisão. Ele tem que escolher
entre a paixão inadequada por uma mulher
casada com três filhos, que tem de aprender a amar e servir, ou uma vida tranquila e cheia de cuidados, apropriada para sua idade, que
não exclue um pouco de sexo pago, ausente de compromisso. Toda decisão tem um
preço, ou não seria tão complicado escolher. O velho Paul tem a sensação de que
já viveu mais do que o porvir. Sua perna a menos apenas acelera sua angústia. Seu
corpo mutilado não responde aos anseios do desejo. Não tem forças para lutar
por isso quer dar sem se importar em ser explorado. Mas ainda tem dúvidas, se
questiona, sabe que está prestes a cair e procura apoio, quer a verdade nas
palavras misteriosas de Costello, sua consciência, a quem abomina por lhe
revelar as fraquezas. Ela bem que preferia
outro personagem, mas não é uma deusa fria e sente-se atrelada, responsável
por sua criatura e, apesar das dificuldades, crise de inspiração de escritor,
não o abandona. Viver é escolher caminhos? Fazemos nossas escolhas ou fomos
escolhidos pelo destino? Poderíamos ter feito diferente ou apenas obedecemos
ordens de um criador. Viver é ter histórias para contar? Quem muito pergunta,
quer realmente descobrir? Afinal, de que vale pensar tanto, se preocupar em dar
respostas certas, passar noites remoendo o que está feito ou o que não pode
mais ser, se no final tudo se encaixa, se somos seres que ofendem e amam, sujam
e limpam, mordem e afagam; se a vida é feita de pequenos momentos de felicidade
perdidos em meio a miséria da condição de mortal; se a única certeza está na
doce e verdadeira expressão de uma criança; se o ADEUS é o único final possível
, mesmo que não desejado, para um bom e
tocante livro, para tudo na vida?
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