João chega a casa no fim da tarde
e encontra Maria ao pé do fogão. Vestido de chita, avental amarelado da
gordura, um lenço da mesma cor a cingir-lhe a cabeça. Mesmo assim não resiste e
abraça-lhe por trás. Maria gosta, geme e se contorce fingindo-se incomodada. Um
pouco de charme não faz mal a ninguém. O marido enfia o nariz no pescoço,
provocando arrepio na mulher, mas diante do cheiro acre bate em retirada, mal
conseguindo disfarçar o asco. Maria indignada vira-se e pede explicações:
-
Não é nada mulher!
-
O que você queria? Chegar e encontrar a
mulherzinha cheirosinha, é? Num sou dondoca não meu filho. Se ganhasse para
botar empregada em casa não ia ter motivo para reclamar.
-
Calma mulher, vai fazer tempestade em copo
d’água? O que temos pro jantar?
-
Nada(apagou o fogo). Vou tomar banho, hoje vamos
jantar fora.
Fita-a por um segundo e resolve
se calar, tudo que disser será usado contra ele. Vai pro quarto, tira a roupa e
entra no chuveiro. Cruzam-se na saída do banheiro, calados.
Bota um calção, vai pra sala e
desaba diante da TV. Não acreditou nas últimas palavras da mulher. O Jornal
traz notícias da última pesquisa promovida pela ONU mostrando o aumento da
renda per capita e da qualidade de vida nos países em desenvolvimento como o
Brasil. Vasculha o bolso e descobre que foi esquecido. Amanhã vai perguntar pro
chefe porque seu salário não aumenta há mais de ano.
Maria está demorando demais,
anuncia o ronco do estômago. Ela aparece toda arrumada e pergunta se ele vai
sair daquele jeito mesmo. A mulher falara sério.
-
Não é o que você queria, uma mulher toda nos
trinques lhe esperando? Pois a partir de hoje vai ser assim.
-
Deixa de coisa criatura, vai botar a mesa que eu
to morrendo de fome.
-
De jeito nenhum, vamos jantar fora.
-
Mas minha filha, tu sabe que não tenho dinheiro
pra isso.
-
Pois trate de arranjar, pois a partir de hoje,
ou bota uma empregada ou vamos jantar fora todo dia.
Vendo que não adiantava teimar,
bota um jeans e o Reebok encardido.
Vão a um restaurante barato perto
de casa apesar dos protestos dela.
Pede um frango assado com farofa
e uma cerveja. O primeiro copo esfria a fera. Beija-lhe suavemente a mão,
lembranças do namoro. Ela sorri. Conversam como amigos íntimos. Trocam carícias
socialmente aceitas. O jantar chega e é engolido rapidamente. Mandam embrulhar
as asas e o pescoço pra canja do dia seguinte. Voltam correndo pra casa e fazem
o amor calmo e gostoso de cinco cúmplices anos.
De manhã acorda mais tarde do que
de costume. Anuncia que vai pedir aumento ao patrão. Ele não pode se matar de
trabalhar e não ganhar nem para o conforto da mulher. Além do mais, quer sua
parte no aumento do PIB do país, lembra das palavras do ministro. Não sabe o
significado da sigla, mas deve ter dinheiro pra ele perdido entre as maiúsculas
letras.
Chega à empresa atrasado e o
funcionário do ponto informa que deve se dirigir ao setor pessoal. É justamente
o que queria. Entra na sala do chefe e antes que abra a boca recebe a notícia
que seu ponto foi cortado. E nem adianta trabalhar hoje, vai ser descontado no
fim do mês. O sangue sobe à cabeça, mas engole o ódio e o desejo de morte.
Volta calado e humilhado para
casa. Quer mandar tudo pro PIB que o pariu.
A mulher no fogão, vestido de
chita, avental amarelo de gordura, um lenço da mesma cor na cabeça. Num impulso
compensatório de ternura chega por trás de mansinho, sem se fazer ouvir e
aplica-lhe um cheiro no pescoço que se arrepia. Sem se virar, fala gemendo:
-
Hum; Zé tá animado, fez até a barba! Deixa só eu
terminar de temperar esse frango pra canja de hoje que nós cai na cama. Ontem
eu fiz o coitado do João jantar fora. Tô caprichando para compensar. Tu devia
vir jantar com a gente hoje. O João ia adorar.
Maria estranha o silêncio do
amante e se vira. Paralisada pelo ódio nos olhos do marido, só percebe a faca
quando esta lhe penetra certeira no coração. João liga pra delegacia e deixa o
fone manchado de sangue fora do gancho.
Vai até a sala, esperar o melhor
amigo.
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