Se as férias de minha infância tinham o sabor salgado da
Gamboa, os primeiros carnavais de minha adolescência tiveram lugar no clube
social perto do grupo e no Açude Bau. O carnaval do Acaraú começava ainda na
rodoviária do Antônio Bezerra, no ônibus da Redenção, invariavelmente lotado, a
rapaziada viajando em pé, dando assento aos mais velhos e às meninas. Alguém
imagina que havia reclamação? Que nada! Ninguém parava quieto, cantava e bebia
a viagem inteira, numa confraternização completa, todo mundo acabava se
conhecendo, sem falar nas inevitáveis paqueras. O coitado do motorista era a
vítima favorita do “Se essa p. não virar, eu chego lá”. Houve uma vez que
chegou a parar o ônibus no meio da estrada e ameaçou botar os “arruaceiros”
para fora. Era pura diversão. Quando a gente chegava à cidade dava até vontade
de não descer do ônibus. Invariavelmente tinha alguém mandado por Vô Santos
para nos ajudar com as malas e antes de continuar a folia tínhamos a gostosa
obrigação de pedir sua benção. A noite era uma criança e o Canecão nos
esperava, bem como as namoradas em potencial. De madrugada quando chegávamos a
casa encontrávamos nossas redes já armadas no corredor ou na varanda. Pela
manhã depois do café reforçado com rosca e leite puro da vacaria do Manoel Roberto,
visitávamos Vovô no mercado. A visita era rápida, pois o Bau nos esperava para
o banho de açude. Lá encontrávamos o Tio Vicente Javan, um dos maestros do
nosso carnaval, junto com os primos e amigos. A cerveja se misturava com as
piadas e gozações fazendo o dia passar ligeiro. Aos domingos e terças havia o
imperdível Bloco das Bichas, momento mais democrático e irreverente de toda a
festa momina. Ao assumirem momentaneamente a nem sempre tão graciosa condição
de mulher, velhos e meninos, ricos e pobres se misturavam para celebrar a vida
sem preconceitos de sexo ou condição social. Finda a tarde era a hora do
repouso para a noite no clube. Saudade da querida “Casa de Farinha”. Mestre
André e sua banda animava a noite com as famosas e eternas marchinhas e sambas.
Cansei de subir no palco e, para alívio e descanso do cantor, cantar até a
goela secar e ter de reabastecer as baterias. A bebida preferida era a Cuba
Libre, mais barata e de mais pegada. Cerveja era só para hidratar vez ou outra.
Foi numa dessas noites que dei minha primeira cheirada em um lança perfume, que
acabara de ser proibido. Dois guardas vieram confiscar o produto, mas o Tio
Vicente, ou teria sido o Paulo Pinto, avisou ao delegado que, sentado numa mesa
vizinha a nossa, vez ou outra se servia do nosso perfume cheiroso. Prontamente
o delegado despachou os guardas dizendo que eles cuidassem dali para lá; para
cá era com ele próprio. Quanta loucura que nunca terminava mal. Vez ou outra
uma pequena confusão, as eventuais escaramuças entre adversários políticos,
tudo sem sérias consequências. Chegávamos com o sol já nascendo, caíamos na
rede sonhando com o dia seguinte, invariavelmente igual, rotineiramente alegre
e maravilhoso.
O clube e o Bau fecharam e tudo mudou, mas aí é outra
história que talvez conta mais tarde.
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