Motorizado, há muito estaria lá. Andando, economizo
gasolina e gasto a caloria da deliciosa cocada da sobremesa. Não me incomoda,
pelo contrário, me dá um grande prazer, nem me envergonha, o tempo que tenho
para perder vendo a vida de perto nos garotos que conversam animados, um com
tênis no pé, o outro de bola na mão; na velha que quase tomba, pela força
centrífuga da idade ao dobrar a esquina; na moça de terno que luta contra o
suor tentando proteger a maquiagem exigida pela ocupação; no rapaz forte que carrega
pilhas de papéis para dentro do colégio, certamente gastando mais energia que
eu; no flanelinha que aponta em vão a vaga para a senhora grudada no volante do
fusca branco; na moça que, cansada de distribuir os panfletos, repousa o
bumbum, que nem a calça jeans apertada consegue levantar, no meio-fio quente de
três da tarde; no palhaço que vende mais um candidato para quem quiser se
enganar; na farmacêutica que espera o próximo doente de queixo na mão.
Chego ao meu destino e descubro que terei de desperdiçar
mais tempo. O painel eletrônico no centro da enorme sala chama a vez do 89 e no pedaço
de papel que me deram está grafado 98. Tenho mais nove unidades indeterminadas
de tempo para tentar traduzir a vida em palavras.
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