Um descuido para mudar a faixa do
rádio e pronto: o pequeno rodo passeia de um lado a outro banhando meu
pára-brisa. O sorriso sem dente não ouve meu dedo que, imitando o limpador,
tenta em vão dispensar o serviço não requisitado. Finjo que procuro algum nos bolsos
e no console. O rapaz, depois de enxugar as últimas gotas que se acumularam no
canto, se aproxima do vidro lateral e pede - sua voz entra abafada, bem do
fundo de sua declarada miséria - dez centavos para completar o almoço. Abro os
braços e as mãos: “Eu te avisei que não tinha”, falo devagar para que ele faça
a leitura labial. Insistente, pede que eu baixe o vidro. O sinal é seu cúmplice
e não abre. Aperto o botão e o calor de verão nordestino invade a geladeira dos
potentados. Não o deixo falar. Vou logo vendendo o serviço que ele não pediu.
Baixo sua pálpebra, palpo seu pescoço suado, peço que abra a boca: AH!. “O.k.,
tá tudo bem contigo”. Aperto o botão de cima e o vidro sobe. O sinal finalmente
abre e eu arranco deixando-o de boca aberta e a mão vazia.
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