domingo, 9 de agosto de 2020

Lição de Cidadania

De longe já fiquei desanimado com o tamanho da fila que aguardava o ônibus, e vi a possibilidade de fazer a viagem sentado e estudando para a prova de amanhã se desmanchar em inútil ilusão. A senhora de quem tomei o ultimo lugar da fila me recebeu com um sorriso de resignada parceria. Tirei a apostila da bolsa. As letras se embaralharam sem sentido, me impedindo a compreensão do texto e me obrigando a olhar para a frente, com um lampejo de esperança escondido na remota sorte de encontrar algum conhecido que me acolhesse em seu vantajoso lugar. O improvável se vestiu de inopinada alegria ao vislumbrar o homem de paletó ocupando um privilegiado terceiro lugar da fila. Devolvi o livro à bolsa, levantei as sobrancelhas para a senhora da frente e corri para os braços de meu pai. Minha cabeça ainda batia em seu peito e foi ali que me abriguei em seu abraço. Depois de me arrumar o cabelo que havia assanhado, perguntou de onde eu vinha, se viera sozinho ao centro da cidade, se estava com fome, coisas que todo pai pergunta sem querer mesmo saber de verdade. Olhando ao redor percebia o deslumbramento das pessoas diante o encontro tão carinhoso entre pai e filho. É improvável que alguém reclamasse por eu ter corrompido a ordem de chegada ao me juntar ao distinto Senhor de paletó, mas tão logo o ônibus chegou, meu pai carinhosa e naturalmente me pediu que voltasse para meu lugar na fila, coisa que fiz de cabeça baixa, imaginando a cara de vingativa satisfação da senhora que eu havia abandonado, sem poder ver seu sorriso de aprovação diante da aula de cidadania que o menino tinha recebido de seu pai.               

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