terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Perdi


Perdi, pensei antes mesmo de acordar com a mente embaçada após o sono pesado que só o álcool é capaz de me dar. Abri os olhos e reconheci a rachadura no teto do quarto. O peso da cabeça não me deteve e iniciei incontinenti a busca. No criado mudo o relógio, indiferente a meu desespero, continuava sem cerimônia sua monótona marcha circular, esperando pacientemente a hora de me despertar. Interrompi a procura para zombar dele e enaltecer minha eterna capacidade de acordar antes do seu bip. Ele não me deu ouvidos e prosseguiu sem dar bola à minha falta de razão. Será que está sob o travesseiro? Virei, revirei e nada além da rotineira mancha amarela de baba e do cheiro forte de suor e de álcool. A mulher ao lado roncava de boca aberta. Lembrei o tempo em que não pensaria duas vezes antes de acordá-la para o serviço de cama. Olhei para o companheiro para ver se havia alguma esperança e perdi definitivamente o interesse. Era melhor procurar o perdido. Levantei-me e sai do quarto. A bexiga e o reto reclamaram uma visita urgente ao banheiro, mas a antinatural determinação de aproveitar o tempo fazendo duas coisas simultaneamente me deu fôlego para ir até o escritório pegar a carteira. Corri para o trono que de boca aberta esperava surdo ao borbulhar de minhas tripas. Sólidos, líquidos e pastosos se confundiram numa torrente escandalosa. Ah que alívio! Ignorei o mau cheiro e comecei a explorar detidamente a carteira. De um lado estavam: a identidade, não tinha perdido meu número, a carteira profissional, ainda tinha uma profissão, o Visa, ainda tinha crédito na praça. Do outro lado arranquei algumas cédulas amassadas, sinal que gastara mais do que queria e menos do que podia, ainda tinha salvação para minha fama de pão-duro. Carteira vazia sobrou somente as fotos das meninas, duas pequenas grandes razões para continuar vivendo. Depois da ducha e do banho, lá se foi um pouquinho da ressaca. Com a idéia mais clara, fui até a cozinha, enchi até a metade a caneca de café, mandei a secretária comprar pão e voltei ao escritório para continuar minha busca. Remexi gavetas, virei papéis, vasculhei os bolsos de ontem e nada. O desespero aumentou e o suor frio molhou a testa antes fresca pelo sabonete de ervas. Sentei na poltrona e tomei um gole médio do café já morno. O estômago esquentou, mas a cabeça permaneceu gelada pela angustiante consciência da ausência. Voltei à cozinha para matar a fome que me entontava as ideias. O peso da cabeça sumiu completamente, devia ser hipoglicemia. Desisti da busca. Ao entrar no quarto percebi que o companheiro se animou. Até hoje não achei, sequer descobri o que perdera, mas é muito bom namorar de manhã cedo. 30/04/03. 

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Vazio.



Um denso vazio
Preenche, sem folgas, meu eu.

A carga sobre-humana
Impede a decolagem
Do avião de minha felicidade.

É preciso tão pouco
Para ser feliz!

E eu aqui retido
No portão de embarque
Por excesso de bagagem.


27/01/03.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Som Nosso de Cada Dia


Pipipipi, o relógio interrompe o último sonho - que sempre é o melhor porque é o único que lembramos. Hummmm, a mulher reclama da noite curta demais para seu excesso de sono. Trum, o ar-condicionado retruca, ao desligar a chave e interromper seu zunnnnn monótono e feliz. Crec, viro o trinco e a mulher, hummmm, se vira pro outro lado. Chiiiiii, a água escorre entre meus dedos e molho o rosto antes de  encarar meu Uauuuu de urso no espelho. Tummm, responde o piso da sala a cada passo e lembro com raiva que o pedreiro não sentou o granito que espera a mais de dois dias no corredor. Friiiii, procuro a página do livro que abandonei ontem a noite e sigo pro banheiro. Os tibuns e pruns que se alternam continuamente não incomodam a primeira leitura do dia. Outro chiii e a ducha limpa impetuosa meu fiofó. Tec, fecho o boxe de alumínio encardido de dez anos. Chiii, de novo! O chuveiro elimina meu último torpor com sua água tépida de verão. Cueca, calça, meias, camisa e sapatos são personagens tímidas e discretas, não querem aparecer nesta história, fazem parte do intervalo mudo desta epopeia sonora. Zummm, o elevador se aproxima, Zummm, e me leva até o pátio. Bom dia, finalmente uma voz humana interrompe minha solidão, não custa nada ser educado. Tum-uou-tum-uou-tum-uou, meus passos e os pombos ensaiam uma sonata quando o Cruaa do papagaio, última aquisição de algum vizinho solitário, vem completar o trio. Do outro lado do muro alto pás, picaretas, martelos e rodas constroem a expansão do shopping vizinho. Beep, destravo a porta do carro. Viro a chave. Tchuc-tchuc-tchuc, o motor refuga, mas Vummm, amacia em poucos segundos. Ligo o rádio e me deixo voluntaria e definitivamente dominar pela música popular brasileira.  07/01/03.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Sinceramente


Se tudo que sinto
Não for o que sou
Sinceramente
Não quero ser-me
E até me renego.

Pois nada pior
Que sofrimento sem dor,
Odiar sem rancor,
Pedir sem precisão
E amor com pudor.

26.01.12

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Dois Rios - Dois Mundos


Acabei de ler o livro Dois Rios de Tatiana Salem Levy, o segundo romance desta jovem escritora brasileira de trinta e poucos anos que muito promete. O livro se divide em duas partes, algo como dois universos paralelos. Marie-Ange é uma francesa misteriosa que como um anjo surge na vida de dois irmãos gêmeos que após a morte súbita do pai vêm desmoronarem suas harmoniosas vidas. Não por acaso a ação se passa, exceto por uma rápida passagem por Copacabana, em duas ilhas: a Ilha Grande no Rio de Janeiro e a Córsega Francesa. Tatiana explora a individualização da experiência humana e a consequente atitude que se toma conforme o ponto de vista e análise de cada um. O incesto, aqui apresentado como um acontecimento natural entre dois adolescentes que se amam e passam muito tempo juntos, mesmo que não perpetrado, está implícito na relação entre esses dois irmãos que imaginam ser este pretenso pecado a causa da morte prematura do pai. Enquanto Joana se deixa anular como pessoa para cuidar da mãe compulsivo-obsessiva, Antônio abandona a casa e sai fotografando pelo mundo. A partir do encontro de ambos com a misteriosa francesa, ambos começam a relatar suas histórias que apesar dos inúmeros pontos de interseção, só podem ter sido realmente vividas em universos paralelos. 

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Enjoadas



Nós somos duas meninas
Muito, muito enjoadas.
Eu não como banana
A goiaba tá aguada.

Não gosto de feijão,
Eu não como macarrão.
Só bebo guaraná
Se for coca eu vou tomar.

Detesto rapadura,
A picanha está dura.
O frango tá salgado
A linguiça tem gordura.

Não sei cortar o pão,
Nem pensar se for mamão
O queijo tá melado,
Eu não vou pra natação.
Eu quero ir pra vovó,
Prefiro televisão.

29.03.07

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Revisitando o Centro


Ligaram me exigindo assinatura e carimbo numa planilha de produção do Issec. Se fosse pouca coisa jamais me aventuraria a ir ao centro da cidade numa manhã de segunda-feira. Felizmente a enfermaria e o ambulatório foram calmos e pude sair do hospital às nove e trinta; teria tempo de sobra até o almoço programado para a roceira (segundo meu sogro Hermênio) hora das onze e meia. O trânsito estava mais calmo que o esperado, mas mesmo assim cheguei ao estacionamento vizinho ao Issec, segundo me revela o recibo, às dez e treze. Dez minutos depois tinha resolvido tudo, ou seja, carimbado e assinado um relatório de produção gerado online pelo próprio contratador, mas que sem minha conivente assinatura de nada valia. Lembrei que há muito precisava de uma mangueira de gás de cozinha nova para o Aquaville, que  vinha anunciando com um forte cheiro a necessidade de trocada. Por sorte bem em frente ao estacionamento vi uma loja de ferragens. Um dos três atendentes que conversavam sonolentamente debruçados sobre o balcão me desejou um bom dia. Portanto fui mais do delicado e prontamente atendido e informado que diante do produto em falta deveria me dirigir à Praça da Polícia. Olhei para o relógio e decidi que tinha muito tempo, passava um pouco das dez e meia. As ruas não estavam muito cheias, algumas lojas de portas fechadas. A que primeiro me chamou a atenção foi a das Edições Paulinas. Percebi também que muitas locações mudaram de inquilinos. Na antiga esquina do Hotel Savanah hoje as Casas Bahia vendem eletrodomésticos. Na esquina do São Luiz a Casa dos relojoeiros montou uma filial e a Riachuelo tomou o lugar da minha saudosa Lobrás. A Praça do Ferreira estava muito calma e no meio dela, com todo o espaço do mundo, sob um sol quase a pino (foi aí que lembrei que esquecera o protetor), um solitário e desafinado cantor brindava os passantes com versos randomicamente misturados, segundo sua desatinada percepção, do Rei Roberto Carlos. Cercando o histórico relógio três jovens batiam fotos para ilustrar sua viagem pela turisticamente procurada capital alencarina. Cruzei a Praça e entrei num território por mim pouco conhecido. Um verdadeiro Shopping plano se estende por todo o espaço entre a Rua Floriano Peixoto e a Praça da Polícia. Tudo porém muito calmo, não percebi nenhuma tensão nos passantes, sequer vi policiais, no máximo alguns agentes da AMC que me pareceram estar promovendo alguma campanha cidadã. Na Rua Perboyre e Silva encontrarei as lojas de artigos para fogão. Escolhi uma que me parecia menos careira, embora não consiga dizer aqui os critérios usei para fazê-lo. Conversando com o que me pareceu o dono da loja percebi que não tinha a menor ideia do que eu realmente precisava, mas como uma próxima oportunidade para voltar ali era no mínimo longínqua, resolvi adquirir uma mangueira de aço ( sugestão dele) e uma válvula nova. O abatimento foi sugerido por ele e não pechinchei, paguei o que me foi pedido e me pus de volta, agora com um saco na mão, tentando percorrer ruas diferentes. Entretanto não consegui resistir a novamente passar pela Praça do Ferreira para desta vez atravessar o beco do pecado e curtir a doce frescura de seu vento. Atravessei a Barão do Rio Branco fora da faixa de pedestres só para entrar no Palácio das Canetas, que infelizmente não tinha que o que queria. Achava que no lugar do Cine Diogo agora funcionasse a Casa do Cidadão, mas não consigo me lembrar do que vi sob a sua tão mudada fachada. Entrei na Guilherme Rocha com seu conhecido comércio ambulante e virei na Senador Pompeu. Passei na frente das Lojas Americanas que tantas vezes atravessei, mas nenhuma saudade me visitou. Paguei os quatro Reais no estacionamento e dei por finda minha visita ao querido, quente e mudado Centro de Fortaleza, com uma vontade de voltar outras vezes e tentar retomar aquela intimidade dos meus tempos de garoto. 

sábado, 21 de janeiro de 2012

João, Maria e José.



João chega a casa no fim da tarde e encontra Maria ao pé do fogão. Vestido de chita, avental amarelado da gordura, um lenço da mesma cor a cingir-lhe a cabeça. Mesmo assim não resiste e abraça-lhe por trás. Maria gosta, geme e se contorce fingindo-se incomodada. Um pouco de charme não faz mal a ninguém. O marido enfia o nariz no pescoço, provocando arrepio na mulher, mas diante do cheiro acre bate em retirada, mal conseguindo disfarçar o asco. Maria indignada vira-se e pede explicações:
-         Não é nada mulher!
-         O que você queria? Chegar e encontrar a mulherzinha cheirosinha, é? Num sou dondoca não meu filho. Se ganhasse para botar empregada em casa não ia ter motivo para reclamar.
-         Calma mulher, vai fazer tempestade em copo d’água?  O que temos pro jantar?
-         Nada(apagou o fogo). Vou tomar banho, hoje vamos jantar fora.

Fita-a por um segundo e resolve se calar, tudo que disser será usado contra ele. Vai pro quarto, tira a roupa e entra no chuveiro. Cruzam-se na saída do banheiro, calados.
Bota um calção, vai pra sala e desaba diante da TV. Não acreditou nas últimas palavras da mulher. O Jornal traz notícias da última pesquisa promovida pela ONU mostrando o aumento da renda per capita e da qualidade de vida nos países em desenvolvimento como o Brasil. Vasculha o bolso e descobre que foi esquecido. Amanhã vai perguntar pro chefe porque seu salário não aumenta há mais de ano.
Maria está demorando demais, anuncia o ronco do estômago. Ela aparece toda arrumada e pergunta se ele vai sair daquele jeito mesmo. A mulher falara sério.
-         Não é o que você queria, uma mulher toda nos trinques lhe esperando? Pois a partir de hoje vai ser assim.
-         Deixa de coisa criatura, vai botar a mesa que eu to morrendo de fome.
-         De jeito nenhum, vamos jantar fora.
-         Mas minha filha, tu sabe que não tenho dinheiro pra isso.
-         Pois trate de arranjar, pois a partir de hoje, ou bota uma empregada ou vamos jantar fora todo dia.
Vendo que não adiantava teimar, bota um jeans e o Reebok encardido.
Vão a um restaurante barato perto de casa apesar dos protestos dela. 
Pede um frango assado com farofa e uma cerveja. O primeiro copo esfria a fera. Beija-lhe suavemente a mão, lembranças do namoro. Ela sorri. Conversam como amigos íntimos. Trocam carícias socialmente aceitas. O jantar chega e é engolido rapidamente. Mandam embrulhar as asas e o pescoço pra canja do dia seguinte. Voltam correndo pra casa e fazem o amor calmo e gostoso de cinco cúmplices anos.
De manhã acorda mais tarde do que de costume. Anuncia que vai pedir aumento ao patrão. Ele não pode se matar de trabalhar e não ganhar nem para o conforto da mulher. Além do mais, quer sua parte no aumento do PIB do país, lembra das palavras do ministro. Não sabe o significado da sigla, mas deve ter dinheiro pra ele perdido entre as maiúsculas letras.
Chega à empresa atrasado e o funcionário do ponto informa que deve se dirigir ao setor pessoal. É justamente o que queria. Entra na sala do chefe e antes que abra a boca recebe a notícia que seu ponto foi cortado. E nem adianta trabalhar hoje, vai ser descontado no fim do mês. O sangue sobe à cabeça, mas engole o ódio e o desejo de morte. 
Volta calado e humilhado para casa. Quer mandar tudo pro PIB que o pariu.
A mulher no fogão, vestido de chita, avental amarelo de gordura, um lenço da mesma cor na cabeça. Num impulso compensatório de ternura chega por trás de mansinho, sem se fazer ouvir e aplica-lhe um cheiro no pescoço que se arrepia. Sem se virar, fala gemendo:
-         Hum; Zé tá animado, fez até a barba! Deixa só eu terminar de temperar esse frango pra canja de hoje que nós cai na cama. Ontem eu fiz o coitado do João jantar fora. Tô caprichando para compensar. Tu devia vir jantar com a gente hoje. O João ia adorar.
Maria estranha o silêncio do amante e se vira. Paralisada pelo ódio nos olhos do marido, só percebe a faca quando esta lhe penetra certeira no coração. João liga pra delegacia e deixa o fone manchado de sangue fora do gancho.
Vai até a sala, esperar o melhor amigo. 

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Em Busca do Tempo Perdido



Viver é perceber o tempo passar de momento a momento. Somos o acúmulo dos instantes memoráveis, alegres ou tristes, que deixaram marcas positivas. Não existem marcas negativas, tudo que guardamos é fonte de aprendizado e crescimento. Felicidade é algo impossível de definir, mas quero crer que recuperar os nossos perdidos instantes memoráveis é um caminho para alcançá-la. Não basta apenas lembrá-los, temos que revivê-lo como se fosse hoje, sentir o mesmo arrepio do primeiro beijo, a mesma angústia do amor perdido, a exultação do obstáculo ultrapassado.

Me pesa
A ausência de quem amo.
Rebusco a lembrança
E um alívio sem sabor
Só me instiga o desejo.

Ouço os passos furtivos
No corredor escuro,
Os roncos na barriga,
Esperando o copo de vitamina.

Revivo as eternas brigas,
Os adeuses inesperados,
As visitas sem cerimônia,
Os reencontros definitivos.

Arde-me na pele o tapa
Que dei sem sentir pena,
E aquele que me fez sangrar
E demorei a perdoar. 

Me arrepio com o beijo
Que faltou coragem de roubar
E com os desejos secretos
Que o instinto fez aflorar. 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Enquanto Espero Acontecer



Desperto com a alvorada,
Sonhando com a namorada.

Tomo meu café com pão,
Lembrando da cachaça com limão.

Trabalho feito um animal,
Pensando no carnaval.

Almoço arroz com feijão,
Com uma fome de leão.

Espremido no ônibus lotado,
Encosto na bunda do lado.

Janto sopa de farinha,
Com um cheirinho de sardinha.

Assisto televisão,
Mergulhado na ilusão.

Procuro de noite a mulher
Que só dá quando bem quer.

Minha vida é menos que legal,
Meu sonho é mais que normal.

Rotina, via esburacada
Rumo à morte esperada.

13/01/03.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Homem Lento - Um ótimo livro de J.M. Cotzee


Paul nunca foi um homem completo. Perdeu cedo o pai e, levado pelo padastro holandês para a antípoda Austrália, não encontrou outra pátria, e tem de carregar uma caixa de palavras para dominar o inglês. Abandonou a faculdade de ciências e retornou à França, sendo acolhido como um francês imaginário, um estrangeiro, um estranho á família. Tornou-se um fotógrafo de relativo sucesso financeiro por suas qualidades técnicas e não artísticas. Viveu um casamento morno e sem filhos até o dia em que a mulher o abandonou por outro. Chegou aos sessenta em plena forma física. É amante canino, sem paixão, da mulher de um amigo. Circula desenvolto por Adelaide em sua bicicleta até o dia em que perde a perna direita em um acidente que desmascara sua solidão. O suicídio não parece uma solução viável, mas preferiria ter morrido no acidente. Ao recusar a prótese assume sua posiçao de um homem menor, nega-se a ser um novo homem e torna-se dependente dos cuidados de terceiros. É quando surge duas mulheres na sua vida. A primeira, uma delicada enfermeira, ex-restauradora croata, desperta nele o instinto do amor. Para conquistá-la oferece-se como protetor, padrinho de seu filho adolescente, provedor de seus estudos. Acolhe-o em seu apartamento quando ele briga com o pai. Sua vontade de fazer o bem atinge a filha do meio, não a conhece, mas livra-a  de uma embaraçosa acusação de roubo. O contra-ponto surge na figura enigmática de Elisabeth Costello, escritora famosa porém solitária em sua eterna briga em defesa dos animais e vegetariana radical. Costello julga, direito a que todo criador se dá, poder se intrometer na vida de Paul, exigindo dele uma tomada de decisão. Ele tem que escolher entre a paixão inadequada por uma mulher casada com três filhos, que tem de aprender a amar e servir, ou uma vida tranquila e cheia de cuidados, apropriada para sua idade, que não exclue um pouco de sexo pago, ausente de compromisso. Toda decisão tem um preço, ou não seria tão complicado escolher. O velho Paul tem a sensação de que já viveu mais do que o porvir. Sua perna a menos apenas acelera sua angústia. Seu corpo mutilado não responde aos anseios do desejo. Não tem forças para lutar por isso quer dar sem se importar em ser explorado. Mas ainda tem dúvidas, se questiona, sabe que está prestes a cair e procura apoio, quer a verdade nas palavras misteriosas de Costello, sua consciência, a quem abomina por lhe revelar as fraquezas. Ela bem que preferia outro personagem, mas não é uma deusa fria e sente-se atrelada, responsável por sua criatura e, apesar das dificuldades, crise de inspiração de escritor, não o abandona. Viver é escolher caminhos? Fazemos nossas escolhas ou fomos escolhidos pelo destino? Poderíamos ter feito diferente ou apenas obedecemos ordens de um criador. Viver é ter histórias para contar? Quem muito pergunta, quer realmente descobrir? Afinal, de que vale pensar tanto, se preocupar em dar respostas certas, passar noites remoendo o que está feito ou o que não pode mais ser, se no final tudo se encaixa, se somos seres que ofendem e amam, sujam e limpam, mordem e afagam; se a vida é feita de pequenos momentos de felicidade perdidos em meio a miséria da condição de mortal; se a única certeza está na doce e verdadeira expressão de uma criança; se o ADEUS é o único final possível , mesmo que não desejado,  para um bom e tocante livro, para tudo na vida?    

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Metade de Um Homem



Sou nuvem em céu de brigadeiro,
Espírito sem corpo,
Anel sem dedo,
Coringa sem parceiro.

Bebê que não nasceu,
Marido sem mulher,
Canção que ninguém ouve,
Açúcar sem colher.

Sonho sem lembrança,
Lágrima sem dor,
Casa sem criança,
Neto sem avô.

Nasci pra ser inteiro,
Mas me parti no caminho.
Posso viver sem amor,
Me contento com carinho.  

20/10/03

sábado, 14 de janeiro de 2012

Postectomia


    Ela passou ligeira e sexualmente por minha vida. Não, esta não é uma história erótica, embora todo mundo adore ler estes contos cheios de sacanagem, inclusive eu, é claro. Esta é uma história triste, principalmente se você também é um homem viril como eu penso que sou. O sexo não entra nela como o ato entre dois corpos que se desejam, se fundem na cópula e gozam juntos, mas como a parte anatômica de um homem que precisava de reparos. Conforme diagnosticou o único homem que apalpou e escarafunchou detidamente meu adorado membro, meu problema não era fimose; a peruca de couro é que era comprida demais para a pequena e inibida cabeça.  Entrei na sala me sentindo o mais ridículo dos homens, de cueca, meias e sapatos. Ela não escondeu o riso e não pude repreendê-la, eu ria tanto quanto ela, só que seu riso era branco e o meu vermelho. Mandou que tirasse os sapatos e as meias e vestisse um avental com a abertura para frente, observou. Fiquei mais ridículo ainda, pensei. Agora pode tirar a cueca, senti certo carinho na sua voz, e deite na maca, o doutor já vem, a voz perdeu a maciez, tornando-se friamente técnica. Ouvi passos, o médico chegou alvoroçado. Perguntou-me se estava tubo bem e foi logo abrindo o avental. Quando viu meus vastos pelos pudendos fuzilou-a com dois bravos e castanhos olhos e perguntou por que eu não estava tricotomizado. Humildemente respondeu que, como de praxe, pensara que eu tinha me raspado em casa. O cirurgião virou-lhe as costas e comunicou rudemente que ia se escovar. Ela aproximou-se do seu baixo ventre, ensaboou a cabeleira e começou a barbeá-la. Fiquei com pena dela e quis explicar que ninguém me avisara que precisava fazer aquilo em casa, mas as palavras de desculpas foram bloqueadas pelas peripéricias autonômicas do tirânico instinto sexual que, provenientes das profundezas desconhecidas do inconsciente, romperam a superfície corporal e ganharam alturas desconcertantes. Ela nem virou o rosto, continuou absorta no trabalho habitual. Indiferente a minha demonstração de simpatia, ignorou meu mais puro desejo. O médico voltou com espírito renovado, falando alegre e carinhosamente com a moça; não reparou ou preferiu não comentar sobre meu estado de ânimo. Meu rubor se apagou ao perceber que estávamos, eu e meu impudico amigo, literalmente fazendo o papel de vela. 15/01/03.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Autocrítica

Não gosto de nada que descubro em mim:
Detesto meu egoísmo,
Minha ilusão de autossuficiência,
Minhas atitudes estereotipadas e previsíveis.
Só finjo ser forte.

Sou parasita de uma sociedade
Que me mantém vivo, e só.

Se pudesse, e tivesse coragem,
Fugiria para fora de mim,
Esqueceria as verdades e as razões
Nas entranhas do “não eu”.

Escaparia de meu cárcere privado,
Que não seria inexpugnável,
Não fosse meu medo
De ser livre e feliz.


09/01/03.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Desemprego


Desarma o despertador que nunca tocou nos sete anos que trabalha na montadora de carros. Sua responsabilidade sempre venceu a imparcialidade das horas. Iniciara como ajudante de mecânico e depois de um brilhante desempenho no curso profissionalizante assumira o cargo de supervisor de produção na linha de montagem. Agora podia dar uma vida confortável para a mulher e o casal de filhos. Não tinham do que reclamar.
Dá uma olhada lá fora, o calor está chegando e com ele as chuvas de verão. Bota a água no fogo para o café, não quer acordar a mulher que foi dormir tarde por causa da febre do caçula. A chuveirada tira o resto de preguiça do corpo. Café, pão, queijo e uma banana depois e está pronto para sua rotina. Não tira férias há quase três anos. Fecha a porta da frente devagarinho. A noite vai levar os dois ao circo; se o menor melhorar. Passa a mão no Gol 04, está uma belezura, só roda nos finais de semanas. Chega à parada junto com o ônibus da empresa. Conhece todo mundo ali. Formam uma família. A poltrona, ao lado do Jonas, está a sua espera como sempre. Senta e vai logo puxando papo, saber das últimas.
-         A coisa parece que vai arrebentar mesmo cumpade. Tão dizendo que não passa desta semana. O pessoal do sindicato esta pedindo uma reunião há quase um mês e nada. Aí tem coisa.
-         Qual nada Jonas. O pátio tá cheio, mas já teve pior. Lembra do ano passado. O rumor era grande, todo mundo se matando de trabalhar com medo de demissão e tudo ficou bem. Até parece que os caras espalham a miséria para deixar todo mundo com medo de perder o emprego e produzir mais. Essa gente é fogo. Quer ter a gente na mão, comendo quieto.
A cada parada o ônibus enche mais. Alguns sobem ainda com cara de sono, outros de quem nem dormiu. Os mais experientes, com mais de vinte anos de montadora são os mais saudados e festejados. Ninguém fica calado. O assunto é um só, a crise das fábricas.
-         A corda vai arrebentar do nosso lado.
-         O IPI subiu e eles vão botar muita gente para fora.
-         Os homens lá da matriz não querem nem ouvir falar em reduzir os lucros. Preferem fechar as fábricas.
-         O presidente disse que não vai intervir.
-         Eu escuto isso todo dia, vocês parecem que não têm outro assunto, diz nosso amigo. Que tal um circo hoje a noite pessoal. Estou pensando em levar os meninos.
O papo se encerra. Estão quase chegando. No portão da fábrica uma pequena multidão já se amontoa esperando a hora de entrar.
Os relógios dão sete horas e nada do apito. Lá dentro não se nota nenhum movimento. Começa o zum-zum-zum. Os mais exaltados gritam através das grades.
Um desconhecido se aproxima do portão e entrega uma resma de papel para os homens lá fora. Todos, num só coro perguntam-lhe o que esta acontecendo.
-         Não sei de nada, só me pediram para distribuir estes papéis. Não adianta me perguntar nada. Sai tão rápido quanto chegou.
Agora um grande silêncio toma conta do pátio. Todos lêem a um só tempo o temido pedaço de papel. A fábrica está fechada por tempo indeterminado. Todos devem esperar em casa pela decisão final da diretoria. Será enviada carta para todos nos próximos dias. Depois de muito bate-boca resolvem que de nada adianta ficar ali parado. Fica acertado uma reunião no sindicato para amanhã à tarde, para dar tempo dos dirigentes tomarem pé da situação.
Aos poucos o pátio vai se esvaziando.
Chegar a casa mais cedo é motivo de susto grande. A mulher adivinhando o pior enche os olhos d’água, os filhos correm ao seu encontro.
-         Pai, que horas vamos pro Circo, pergunta o mais novo. Sua febre tinha passado.
-         Mais tarde filhote, mais tarde, responde enquanto engole sua dor.


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Ilusão de Estar Vivo



Ilusão da vida eterna;
Medo de morrer
Sem deixar marcas
Ou gozar o suficiente.

Medo de envelhecer,
Sentir na própria pele
O prurido da decadência
E do esquecimento.

Medo de amar,
Tomar sem se dar,
Dar sem querer.

Medo de dormir demais
E perder a lotação
Para o paraíso.


24/03/03

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Big Bode Brasil

Recusa o convite da turma para o happy-hour. Dá uma última espiada na bunda da colega antes do elevador fechar e levar aquele avião para outros ares. A vontade quer crescer dentro dele, mas resiste. Prometera ir ao cinema com a mulher. Preso no engarrafamento lembra a morena novata que nesta exata hora deve estar sob a mira dos gaviões do escritório. “Será que ela tá me dando bola?”. Não pode ser; logo para o único casado da sala! O rádio toca Rita Lee: “que tal nós dois, numa banheira de espuma...”. Avança mais um quarteirão. A moça no outdoor da cerveja é a cara da nova colega. Sua imaginação anda muito fértil ultimamente. Uma hora depois chega a casa, toma um banho ligeiro e corre pra pegar a última sessão. Não tem jeito, perdem as cenas iniciais do filme. Fica sem saber por que a mulher traça todos que vê pela frente. Deve ser algum trauma de infância, imagina enquanto o volume cresce na calça. Passa o braço pelo ombro da mulher e ela se aconchega. Chegam tarde, as crianças já dormiram. Toma um belo copo de água gelada pra acalmar o fogo. O xixi desce com dificuldade através do membro enrijecido. Encontra a mulher virada pro outro lado da cama. Passa a mão na bunda conhecida, e encosta no corpo moldado pelos anos. Ela se vira, dá uma bitoca sem graça e explica que hoje não vai dá. Ele pega o controle e liga a TV no Big Bode Brasil. 20/02/02. 

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Louco Varrido


Uma ideia puxa outra
E o mundo,
Bem como minha cabeça,
Não para.

Os motivos são fúteis,     
Mas os resultados são desprezíveis.
      
O que ele diz ninguém ouve,       
Mesmo assim ele grita até ficar rouco              
(será que estou ficando louco?).                                                    
A saia da gata levanta                                       
E o velho, sem Viagra, nem olha.                                                                               
O carro buzina avisando                                           
Que a porta esta aberta.                                    
Fecho sem agradecer.                                                           
O garçom quer saber                                
Quando vai receber o Pis.                                           
E a bala perdida não pega por um triz.                                                            
O telefone chamou o número errado;                           
Alguém ficou perdido na chuva.                  
Deve ser algum tarado.                                                                     
Agora posso prosseguir.                                            
A chuva parece que parou.                           
Mas deu vontade dum pipi.                            
É por causa da cerveja,       
Que já tá quase no fim.                                                                        
Sem mulher e sem consolo,       
O que restará de mim?                                                         
22/03/02.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Sonhos Contidos


Independente, inteligente, bonita. Uma baita morena, belo exemplar da espécie. Difícil imaginá-la ainda virgem nesta altura do campeonato. Quem se aventurou jura que é verdade. Se bem que ninguém tivera a chance de ver para crer. Filha única de fervorosos religiosos, havia tido uma severa educação. Namorar só em casa, debaixo dos olhos dos pais. Pretendentes foram muitos. Todos, enfeitiçados pelos dotes da moça, se submetiam ao rigoroso interrogatório. De regra iam se aguentando a espera de um descuido. Quando acontecia tratavam de atacar, mas para surpresa dos pobres coitados ela os repelia com fervor, punha-os a correr, urrando de indignação. Quase todos os colegas do banco já haviam investido sem sucesso. Agora a tratavam com indiferença. Era estigmatizada como frígida.


Sozinha, na intimidade do quarto, se transformava num vulcão. Sonhava acordada com o príncipe encantado, se entregando de alma e corpo para o futuro marido. Suas noites eram longas, acordava sempre úmida e sedenta.

Por tantas passou que acabou se resignando. Nenhum homem parecia capaz de um amor puro. Conformou-se com a rotina da missa com seus pais, um sorvete na praça com a empregada da casa e as novelas da TV. Foi se acostumando e seus sonhos ficando mais raros.

Os pais não se importavam ou fingiam não ligarem muito para a situação da moça. Pelo contrário, falavam mal dos homens que lhe cortejavam, adjetivando-os de tarados, hereges, marginais. Ela ouvia e calava.
Um Domingo depois da missa seu pai comunicou que não voltaria com elas para casa, teria uma reunião importante com membros da igreja. Fugindo da rotina só retornou já tardinha. Trazia um amigo. Este não contava mais que 30 anos, tinha um rosto simpático e um porte admirável. Apresentado como morador de outra paróquia, em breve se mudaria para o bairro. Após o jantar ficaram a sós na sala, assistindo TV. Trocaram pouquíssimas palavras e ele se despediu com o pretexto de acordar cedo. As visitas se tornaram frequentes e o pedido formal de namoro não demorou. Não se continha de contentamento. Finalmente encontrara o cavalheiro de seus sonhos. Respeitador, inteligente, sensível, extremamente religioso e gostava dos seus pais, com recíproca mais que verdadeira. Namoravam como dois irmãos, beijinhos no rosto, mãos entrelaçadas, um joguinho de cartas com os pais, um refrigerante na esquina. Foram ao cinema no máximo duas vezes. Depois de deixá-lo no portão corria para o quarto e começava a imaginá-lo dentro dela, sentia suas carícias, aquelas mãos fortes e delicadas percorrendo sua macia e imaculada pele. Só conseguia dormir depois de esgotar toda a luxúria que conseguia antever.

O pedido de casamento não tardou. Não queriam esperar mais que um mês. Morariam uns tempos com os pais dela enquanto procuravam com calma sua própria casa. Casaram-se com as bençãos de Deus numa sexta de manhã. Depois do almoço viajaram para uma breve lua-de-mel na serra. Na chegada a mãe percebeu o nítido desapontamento da filha. Sentindo-se na obrigação de saber o que dera errado, ouviu o relato de uma grande decepção. Ele não poderia ter sido mais frio. Considerava-se ainda virgem. O noivo mal a tocara. Mostrara-se distante e a todo o momento dava desculpas para não fazerem amor. Sua mãe a consolou explicando que era a tensão dos primeiros dias de casamento. Seu pai mesmo agira de maneira semelhante e depois tudo ficara bem. Paciência era só do que ela precisava.
     Mas ela não estava disposta a esperar e resolveu partir para a luta. Inventava de um tudo. Perfumes e tônicos afrodisíacos, lingeries provocantes, olhares lânguidos, strip-tease, gemidos e obscenidades ao ouvido, cavalgava-o despudoradamente, mas nada do homem reagir.
     Por fim, cansada da indiferença do marido, aquietou-se. Para este foi um grande alívio. Ficou menos constrangido. Conseguia conversar mais a vontade, pois sabia que não teria que mostrar serviço na cama mais tarde. Seus desejos foram mais uma vez reprimidos. Ela ainda era uma mulher infeliz, mas tinha um marido caseiro, respeitador e gentil. Tinha um amigo, praticamente um irmão.
     Acordou cedo naquele domingo. Estranhou a ausência do marido no quarto. Tentou em vão conciliar novamente o sono. Decidiu dar um passeio pelo jardim. Curtia o calorzinho gostoso do sol das sete quando ouviu um ruído surdo, um gemido contido vindo da garagem. Abriu a porta de uma vez e deparou-se com os dois. Pareciam dois cachorrinhos. Bateu bruscamente a porta e correu para dentro de casa. Na cozinha sua mãe preparava o café. Respirou fundo, aproximou-se e deu-lhe um beijo na testa. Sem dizer nada, tomou a faca da mãe, começando a fatiar o pão duro de ontem para fazer torradas. Os dois pombinhos não demoraram muito. O velho de cabeça baixa. Encontrando o ambiente calmo, nada disseram e sentaram-se à mesa. Ela quebrou o gelo. Com tom sutilmente irônico perguntou se desejavam salsicha com ovos mexidos. Tudo correu na mais completa harmonia. Irradiava uma alegria fora do comum. Terminada a refeição foram se aprontar para a missa. Caprichou no visual. No meio do caminho parou, deu um tchauzinho e sem dizer mais nada sumiu por outra rua. Ninguém lhe perguntou aonde ia.    

    

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

De Hoje Em Diante...

Não fale comigo
Se não quiser me ouvir,
Nem me escute
Se nada tiver a falar.

Não pegue minha mão
Se não com aperto forte
Nem me venha com abraço
Que não me amasse o coração.

Não quero elogios
Que venham sem admiração,
Nem aceito reprimendas
Sem a perspectiva do perdão.

Não quero beijo falso
Sem o fogo da paixão.
Quero tudo que mereço
O resto faz falta não.

01.01.12