sábado, 14 de janeiro de 2012

Postectomia


    Ela passou ligeira e sexualmente por minha vida. Não, esta não é uma história erótica, embora todo mundo adore ler estes contos cheios de sacanagem, inclusive eu, é claro. Esta é uma história triste, principalmente se você também é um homem viril como eu penso que sou. O sexo não entra nela como o ato entre dois corpos que se desejam, se fundem na cópula e gozam juntos, mas como a parte anatômica de um homem que precisava de reparos. Conforme diagnosticou o único homem que apalpou e escarafunchou detidamente meu adorado membro, meu problema não era fimose; a peruca de couro é que era comprida demais para a pequena e inibida cabeça.  Entrei na sala me sentindo o mais ridículo dos homens, de cueca, meias e sapatos. Ela não escondeu o riso e não pude repreendê-la, eu ria tanto quanto ela, só que seu riso era branco e o meu vermelho. Mandou que tirasse os sapatos e as meias e vestisse um avental com a abertura para frente, observou. Fiquei mais ridículo ainda, pensei. Agora pode tirar a cueca, senti certo carinho na sua voz, e deite na maca, o doutor já vem, a voz perdeu a maciez, tornando-se friamente técnica. Ouvi passos, o médico chegou alvoroçado. Perguntou-me se estava tubo bem e foi logo abrindo o avental. Quando viu meus vastos pelos pudendos fuzilou-a com dois bravos e castanhos olhos e perguntou por que eu não estava tricotomizado. Humildemente respondeu que, como de praxe, pensara que eu tinha me raspado em casa. O cirurgião virou-lhe as costas e comunicou rudemente que ia se escovar. Ela aproximou-se do seu baixo ventre, ensaboou a cabeleira e começou a barbeá-la. Fiquei com pena dela e quis explicar que ninguém me avisara que precisava fazer aquilo em casa, mas as palavras de desculpas foram bloqueadas pelas peripéricias autonômicas do tirânico instinto sexual que, provenientes das profundezas desconhecidas do inconsciente, romperam a superfície corporal e ganharam alturas desconcertantes. Ela nem virou o rosto, continuou absorta no trabalho habitual. Indiferente a minha demonstração de simpatia, ignorou meu mais puro desejo. O médico voltou com espírito renovado, falando alegre e carinhosamente com a moça; não reparou ou preferiu não comentar sobre meu estado de ânimo. Meu rubor se apagou ao perceber que estávamos, eu e meu impudico amigo, literalmente fazendo o papel de vela. 15/01/03.

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