terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Homem Lento - Um ótimo livro de J.M. Cotzee


Paul nunca foi um homem completo. Perdeu cedo o pai e, levado pelo padastro holandês para a antípoda Austrália, não encontrou outra pátria, e tem de carregar uma caixa de palavras para dominar o inglês. Abandonou a faculdade de ciências e retornou à França, sendo acolhido como um francês imaginário, um estrangeiro, um estranho á família. Tornou-se um fotógrafo de relativo sucesso financeiro por suas qualidades técnicas e não artísticas. Viveu um casamento morno e sem filhos até o dia em que a mulher o abandonou por outro. Chegou aos sessenta em plena forma física. É amante canino, sem paixão, da mulher de um amigo. Circula desenvolto por Adelaide em sua bicicleta até o dia em que perde a perna direita em um acidente que desmascara sua solidão. O suicídio não parece uma solução viável, mas preferiria ter morrido no acidente. Ao recusar a prótese assume sua posiçao de um homem menor, nega-se a ser um novo homem e torna-se dependente dos cuidados de terceiros. É quando surge duas mulheres na sua vida. A primeira, uma delicada enfermeira, ex-restauradora croata, desperta nele o instinto do amor. Para conquistá-la oferece-se como protetor, padrinho de seu filho adolescente, provedor de seus estudos. Acolhe-o em seu apartamento quando ele briga com o pai. Sua vontade de fazer o bem atinge a filha do meio, não a conhece, mas livra-a  de uma embaraçosa acusação de roubo. O contra-ponto surge na figura enigmática de Elisabeth Costello, escritora famosa porém solitária em sua eterna briga em defesa dos animais e vegetariana radical. Costello julga, direito a que todo criador se dá, poder se intrometer na vida de Paul, exigindo dele uma tomada de decisão. Ele tem que escolher entre a paixão inadequada por uma mulher casada com três filhos, que tem de aprender a amar e servir, ou uma vida tranquila e cheia de cuidados, apropriada para sua idade, que não exclue um pouco de sexo pago, ausente de compromisso. Toda decisão tem um preço, ou não seria tão complicado escolher. O velho Paul tem a sensação de que já viveu mais do que o porvir. Sua perna a menos apenas acelera sua angústia. Seu corpo mutilado não responde aos anseios do desejo. Não tem forças para lutar por isso quer dar sem se importar em ser explorado. Mas ainda tem dúvidas, se questiona, sabe que está prestes a cair e procura apoio, quer a verdade nas palavras misteriosas de Costello, sua consciência, a quem abomina por lhe revelar as fraquezas. Ela bem que preferia outro personagem, mas não é uma deusa fria e sente-se atrelada, responsável por sua criatura e, apesar das dificuldades, crise de inspiração de escritor, não o abandona. Viver é escolher caminhos? Fazemos nossas escolhas ou fomos escolhidos pelo destino? Poderíamos ter feito diferente ou apenas obedecemos ordens de um criador. Viver é ter histórias para contar? Quem muito pergunta, quer realmente descobrir? Afinal, de que vale pensar tanto, se preocupar em dar respostas certas, passar noites remoendo o que está feito ou o que não pode mais ser, se no final tudo se encaixa, se somos seres que ofendem e amam, sujam e limpam, mordem e afagam; se a vida é feita de pequenos momentos de felicidade perdidos em meio a miséria da condição de mortal; se a única certeza está na doce e verdadeira expressão de uma criança; se o ADEUS é o único final possível , mesmo que não desejado,  para um bom e tocante livro, para tudo na vida?    

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