quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Guerra Santa



A bomba que caiu em minha casa
Tirou-me a mulher,
Pulverizou-me o medo,
Despertou-me o ódio.

Meu Deus,
Se não podes me proteger
Ponde em meu coração
A coragem para morrer.

São aviões, tanques, navios,
Guiados por homens
De língua estranha
E desconhecidos motivos.

Meu Deus
Senhor de todas as guerras
Ponde em minhas mãos
A força para lutar.

Faces imberbes
Enfeitadas para matar;
Corpos esquecidos no deserto
Sem pátria e sem enterro.


Meu Deus,
Vingador dos oprimidos,
Ponde em minha alma
A vontade de matar.

27/03/03. 

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Amigos


Às vezes queria poder rever os velhos e mesmos amigos, abraça-los como se nem o tempo ou o espaço fizesse sentido, como se fossemos capazes de escapar da ditadura da distância e do passado. Quero crer que o exato que sou hoje não seria o mesmo caso cada um deles não tivesse cruzado meu caminho. Sou fruto da mão que um dia se estendeu para me ajudar ou pedir meu apoio. Sou cria e membro da comunidade daqueles que um dia partilharam meus interesses e aspirações. A cada um que ler estas linhas deixo esta certeza: Lembro com carinho de cada um deles, sem esperar ser correspondido em sua memória, única forma de amar que reconheço ser sincera. 

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Panacéia



Toda a dor que é viver,
Toda tristeza da solidão,
Toda angústia de mortal,
Toda desilusão com o amor,
Toda descrença no bem,
Toda desesperança com a justiça.

Tudo se esvai,
Se evapora ,
Deixando somente
A satisfação,
A leveza na alma,
O doce cheiro da pureza,
O som miraculoso
Dos passos rodopiantes
Que se aproximam
E estancam num
“Pai, eu te amo”.
(Para Marina e Luiza)

30.09.05 

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Passeio de Sábado


Impreterivelmente às seis horas de todo sábado pega a filha e vão passear. Olham vitrines com seus manequins sobre-humanos, bares repletos de gente alegre e vazia, calçadas movimentadas de gente com e sem pressa, carros barulhentos de gente exibida e mal educada. A menina vai crescendo, fica teimosa, não quer sair de casa, prefere ver televisão, e curiosa. Por que a mãe não vem junto, pergunta sem resposta. Ultimamente só com chantagem sentimental tem tido resultado: “Você não gosta de sair com o papai, filha?” Hoje é sexta, a filha desde segunda anuncia que só sai amanhã se for com a mãe. Não tem jeito, tem que escolher entre matar a mulher, o amigo dela, ou o suicídio. Passar vergonha na frente da filha, nem pensar.
28/01/04.

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Belém



Água em uma nova
Dimensão.
Sonho de beira de rio,
Gente de bom coração.

Tudo em ti
Emana vida:
Tuas mangueiras
Pássaros e bosques.

Tuas danças
De corpos morenos,
Teus ritmos
De mil atabaques.

Tua luz equatorial
Amolece o juízo
E inspira tranquilidade

O calor que queima a pele
É o mesmo que
Aquece a saudade.


09.07.08 

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Eternos Carnavais


Se as férias de minha infância tinham o sabor salgado da Gamboa, os primeiros carnavais de minha adolescência tiveram lugar no clube social perto do grupo e no Açude Bau. O carnaval do Acaraú começava ainda na rodoviária do Antônio Bezerra, no ônibus da Redenção, invariavelmente lotado, a rapaziada viajando em pé, dando assento aos mais velhos e às meninas. Alguém imagina que havia reclamação? Que nada! Ninguém parava quieto, cantava e bebia a viagem inteira, numa confraternização completa, todo mundo acabava se conhecendo, sem falar nas inevitáveis paqueras. O coitado do motorista era a vítima favorita do “Se essa p. não virar, eu chego lá”. Houve uma vez que chegou a parar o ônibus no meio da estrada e ameaçou botar os “arruaceiros” para fora. Era pura diversão. Quando a gente chegava à cidade dava até vontade de não descer do ônibus. Invariavelmente tinha alguém mandado por Vô Santos para nos ajudar com as malas e antes de continuar a folia tínhamos a gostosa obrigação de pedir sua benção. A noite era uma criança e o Canecão nos esperava, bem como as namoradas em potencial. De madrugada quando chegávamos a casa encontrávamos nossas redes já armadas no corredor ou na varanda. Pela manhã depois do café reforçado com rosca e leite puro da vacaria do Manoel Roberto, visitávamos Vovô no mercado. A visita era rápida, pois o Bau nos esperava para o banho de açude. Lá encontrávamos o Tio Vicente Javan, um dos maestros do nosso carnaval, junto com os primos e amigos. A cerveja se misturava com as piadas e gozações fazendo o dia passar ligeiro. Aos domingos e terças havia o imperdível Bloco das Bichas, momento mais democrático e irreverente de toda a festa momina. Ao assumirem momentaneamente a nem sempre tão graciosa condição de mulher, velhos e meninos, ricos e pobres se misturavam para celebrar a vida sem preconceitos de sexo ou condição social. Finda a tarde era a hora do repouso para a noite no clube. Saudade da querida “Casa de Farinha”. Mestre André e sua banda animava a noite com as famosas e eternas marchinhas e sambas. Cansei de subir no palco e, para alívio e descanso do cantor, cantar até a goela secar e ter de reabastecer as baterias. A bebida preferida era a Cuba Libre, mais barata e de mais pegada. Cerveja era só para hidratar vez ou outra. Foi numa dessas noites que dei minha primeira cheirada em um lança perfume, que acabara de ser proibido. Dois guardas vieram confiscar o produto, mas o Tio Vicente, ou teria sido o Paulo Pinto, avisou ao delegado que, sentado numa mesa vizinha a nossa, vez ou outra se servia do nosso perfume cheiroso. Prontamente o delegado despachou os guardas dizendo que eles cuidassem dali para lá; para cá era com ele próprio. Quanta loucura que nunca terminava mal. Vez ou outra uma pequena confusão, as eventuais escaramuças entre adversários políticos, tudo sem sérias consequências. Chegávamos com o sol já nascendo, caíamos na rede sonhando com o dia seguinte, invariavelmente igual, rotineiramente alegre e maravilhoso.
O clube e o Bau fecharam e tudo mudou, mas aí é outra história que talvez conta mais tarde.  

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Ficha Limpa


Recebi com espasmódica surpresa a decisão se 7x4 a favor da lei da ficha limpa. Os quatro ministros que votaram contra a referida lei, pressupondo que sejam idôneos e nobres representantes da constituição que juraram obediência, são engessados membros de um mundo que desconhece o avanço do apelo democrático popular. Se as leis fossem imutáveis, continuaríamos sob a nobre pungência do imperador Pedro quinto ou sexto, ou quem sabe do cacique tupi guarani que mal ouso nomear. Não é a toa que ouvimos severas críticas ao nosso lento progresso ao rumo do desenvolvimento. Entretanto, deixando de lado os quatro derrotados baluartes defensores da fria leitura da lei, o fato que me instigou essas simplórias e leigas palavras, porém com rasgos sinceros de cidadania, foi a justificativa do voto de uma das sete sóbrias vencedoras. Esclarecendo seu parecer, definiu como candidato elegível para representante legítimo do povo, um cidadão íntegro e probo, livre de interesses e de percalços judiciais. Ri para não chorar. 

Verbo Profano



Queria dizer que te amo
Mas receio que soe falso.
Falar é verbo profano
E te amar é tão fácil.


09/08/02.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A Inviabilidade da Experiência Humana - Diário da Queda -


Somos culpados por nossos atos ou vítimas infelizes de experiências vivenciadas? Carregamos o estigma das marcas da cruz que tivemos que um dia carregar ou somos capazes de ultrapassar barreiras e assumir atitude inversa àquela que nos foi impingida? Diante de crimes hediondos, infelizmente tão banalmente comuns, procura-se sempre encontrar uma razão, um porquê para o indesculpável ato. Muitos alegam: maus tratos na infância, opressão socioeconômica, desilusões amorosas, orgulho ofendido. É difícil fazer um julgamento imparcial de um criminoso que alega ter matado por amor, por isso precisamos de um júri popular para decidir, como representantes da sociedade, sua pena. Mas quem julgará o indivíduo que marcado por seu passado comete um “crime” contra si próprio? Em “Diário da queda” três membros de uma mesma família judia, avô, pai e filho sofrem traumas que marcaram indelevelmente suas vidas. O avô veio para o Brasil após sobreviver a Auschwitz. Passou os seus últimos anos escrevendo uma enciclopédia onde diz como deve ser o mundo, mas guarda para si a dor que o atormenta. O resultado podia ser outro? Seu filho, mesmo depois de assistir a derrocada do pai, assume com sucesso o negócio da família, torna-se um pai atento e um marido amoroso. O neto, no caso o narrador, autor confesso e comparsa de uma infeliz brincadeira que quase aleija um pobre colega gói (não judeu), tem sua consciência atormentada pelo ato e tenta esconder sua culpa no álcool e nos casamentos fracassados que acumula na vida adulta. A questão judaica é a base da pirâmide, o trauma coletivo universal que se imbrica na alma e ganha altura nas atitudes individuais de cada um de seu povo. Já que não se pode simplesmente enterrar no esquecimento as feridas sofridas, tem-se que decidir entre se esconder por detrás das cicatrizes ou, a partir delas e por causa delas, construir uma outra e nova vida.  

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Sem Pressa




O tempo passeia sem pressa
Pelo bosque de minha vida.
Uma chuva insistente e fina
Embaça meu juízo imperfeito,
Enquanto a brisa varre
Para longe da consciência
Minhas poucas ilusões.

Amar, comer, pular, voar:
Sou escravo da ação,
Cúmplice da temível razão,
Triste ser sem solução.

Se pudesse parar e dormir,
Amanhã acordaria disposto
E, quem sabe, feliz. 


11/02/03


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Perdendo Tempo


Motorizado, há muito estaria lá. Andando, economizo gasolina e gasto a caloria da deliciosa cocada da sobremesa. Não me incomoda, pelo contrário, me dá um grande prazer, nem me envergonha, o tempo que tenho para perder vendo a vida de perto nos garotos que conversam animados, um com tênis no pé, o outro de bola na mão; na velha que quase tomba, pela força centrífuga da idade ao dobrar a esquina; na moça de terno que luta contra o suor tentando proteger a maquiagem exigida pela ocupação; no rapaz forte que carrega pilhas de papéis para dentro do colégio, certamente gastando mais energia que eu; no flanelinha que aponta em vão a vaga para a senhora grudada no volante do fusca branco; na moça que, cansada de distribuir os panfletos, repousa o bumbum, que nem a calça jeans apertada consegue levantar, no meio-fio quente de três da tarde; no palhaço que vende mais um candidato para quem quiser se enganar; na farmacêutica que espera o próximo doente de queixo na mão.
Chego ao meu destino e descubro que terei de desperdiçar mais tempo. O painel eletrônico no centro da enorme sala chama a vez do 89 e no pedaço de papel que me deram está grafado 98. Tenho mais nove unidades indeterminadas de tempo para tentar traduzir a vida em palavras.  

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Explicação às Avessas



Cansei de explicações.
A partir de agora
Desprezo os porquês.
O que eu sou
Me basta.

O que eu vejo
É lindo e
O que sinto é puro.
Não reconheço motivos.

Se existe um deus: ótimo.
Se ele é lenda,
Faça bom proveito
De sua ilusão.
Ninguém me deve nada.

Mesmo que lhe ofenda a razão
Seja verdadeiro
Ou honestamente falso,
Mas simplesmente seja.
Não esconda sua tristeza,
Rasgue a máscara da hipocrisia,
Deixe fluir a melancolia.
Ninguém escapa da depressão.

Aproveite a sua dor
E espalhe-a ao vento.
Posso, não prometo,
Até pegar um pouco dela
E aliviar-lhe um pouco a carga.

Não exija amor,
Receba o que vem espontaneamente.
“Se alguém perguntar por mim,
Diz que eu fui por aí”. 


14.10.05  

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012


Este é meu Ex-Libris. Carimbo presente em todos os meus livros. Foi idealizado, confeccionado e me presenteado pelo amigo e irmão e grande artista plástico Glauco Sobreira.

Teste da Balança


É bem a terceira vez que aquele metro e meio de gente passa diante da farmácia. O suor pinta um colar poderoso na gola da blusa. “Mais duas voltas e tá bom”, segue seu calvário, decidida e otimista. “Ufa! Cinco voltas em uma hora, desse jeito acabo virando atleta”, sonha. Tira o sapatinho de lona, pendura a bolsa no gancho da balança e sobe serelepe, rebolando as formas. O ponteiro ingrato não para de mexer. Oitenta e nove. “Perdi duzentas gramas esta semana”, se consola. Sei que cometi um erro vocabular, mas ela não sabe que lhe roubaram o sapato.      

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Cedo na Cama




Não,
Não quero te amar.
Não quero te amar assim,
Ligeiro.

Quero-te olho no olho
Dedo a dedo.
Lamber teu suor,
Assanhar teu cabelo.

Corromper tua alma,
Encher-te de medo.
Rir de tua lágrima,
Engolir teus segredos.

Inventar que o mundo
É feito de nós dois
E te convencer
Que o tarde é cedo.

11.10.05 

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O Mundo é dos Fortes ou dos Jakobs?


A teoria da evolução de Darwin deu argumento biológico e filosófico para a desigualdade entre os indivíduos e as espécies: vence o mais forte. Mesmo assim o capitalismo continua afirmando que todos têm as mesmas oportunidades e podem chegar ao topo; só não ensina como, e faz mesmo questão de manter o segredo patrimônio de poucos. Se fosse possível fazer a divisão da riqueza do mundo certamente todos seriam pobres, mas nem notariam pela simples ausência da comparação. Alguém vai certamente argumentar que desta forma a humanidade não se desenvolveria, não correria atrás de novas conquistas. O desaparecimento da ambição nos transformaria em seres parasitas, pois a maioria fraca viveria à custa dos fortes. Embora não seja louco em discordar de tais argumentos, confesso minha sincera simpatia por um mundo menos competitivo. Não defendo com fervor a necessidade de ter de ser bom em tudo, aprender muitas línguas, ser pau para toda obra, estar disponível a qualquer momento, dançar conforme a música e tantas qualidades indispensáveis para o tão sonhado “vencer na vida”.  Mas o que fazer com os Jakobs Von Gunten do nosso mundo? O personagem do livro lançado em 1909 pelo Suíço Robert Walser entra no Instituto Benjamenta com a simplória pretensão de não ser grande. Não possui o sonho do sucesso e rema contra a maré da busca pelo lugar no topo da sociedade, e se resigna a simplesmente viver para servir. O fato inexplicável do porque da existência de uma escola que não possui currículo nem professores, onde todos os alunos são estranhos e possivelmente doentes, provavelmente a escória de uma sociedade competitiva do início do século 20, e do após guerra, nos remete imediatamente ao universo kafkaniano e não a toa muito se fala que Walser influenciou o escritor tcheco. Seja fato ou mera especulação, a esquisita escola me lembrou o Castelo de Kafka. Um lugar tão improvável de ter sido construído só poderia acabar sem explicação alguma. Os Jakobs, porém, continuam a existir, não por menosprezarem o propagado sucesso (será que conseguiremos algum dia nos livrar da indução ao consumo), mas pela impossibilidade de alcança-lo. 

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Descansa


Descansa.
Eu te queria eterno,
Mas meu desejo é impotente
Diante da transitoriedade
Da aventura humana.

Fecha definitivamente
Teus olhos e deixa para nós
A amarga missão de viver num mundo
Sem tua doce presença.

Sei,
Não me ouves.
Por tua linda luta
Foste recompensado
Com a glória da eternidade
No universo de nossa memória,
Onde desconheces a dor
E ganhastes a indiferença
Que só é permitida
Aos seres divinos.

Não posso mais contar
Com teu acalanto para
Minha tristeza,
Mas posso sentir,
Resgatando a lembrança de
Tua paterna serenidade,
O consolo que preciso
Para seguir amando um mundo
Por demais imperfeito.

Descansa.
Abraça a morte
Como alívio
Para teu sofrer,
Como recompensa
Por uma vida
Plena de dignidade
E que agora te cobra
Pelo longo caminhar.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Poupa-Ganha e a Vontade de Deus



O quarto não tem mais que um colchão velho, refugo do patrão, um fogão de duas bocas e um pequeno armário: a parte de baixo ocupada pelas poucas panelas e os pratos de plástico, em cima a televisão comprada em dez prestações. Três adultos e três crianças sobrevivem neste cubículo, 12 metros quadrados. As duas crianças menores dividem a cama com a mãe, doméstica. O pai, desempregado, o tio, desocupado, e a filha de cinco anos, dormem em redes. A TV, única diversão permitida, tem hora marcada para ser ligada, economia de energia. Neste momento estão todos assistindo a novela das seis, fim de tarde de um sábado qualquer. No fogo a panela de água, mingau de farinha para as  crianças. Os adultos se contentarão com pão de ontem. No intervalo todos correm até a porta para ver o movimento da vila: cachaça e forró. A mãe se deixa ficar encantada pela propaganda do Poupa-Ganha. Amanhã será sorteado uma casa, um carro e mais 50 mil para o grande ganhador que pode ser ela. A imagem penetra seus olhos e lhe inunda a mente. Não é sonho, tudo está ali bem diante dela, é só pegar.  Esta vai ser a sua vez, afinal quem merece mais que ela? Deus há de ajudar, deixo tudo na mão dele, pensa otimista, já se vendo longe dali, com um quarto só para ela e o marido.
Automaticamente se levanta do colchão, bota a mão no bolso e puxa tudo que encontra: quatro e sessenta. Falta pouco. Corre na vizinha e comadre, apela. Faz isso não mulher, com este dinheiro tu dá o de comer pros teus fius, argumenta com a enfeitiçada. Deus sabe o que faz, se Ele diz que é hoje, vai ser e tem de ser, retruca. Meio a contragosto a cumadre cede, um e quarenta completa os seis. Dorme com o bilhete embaixo do travesseiro suado de emoção. O sono é agitado, os meninos reclamam. Manhã de Domingo, abre uma exceção e liga a TV.
Os números chamados, um por um trazem-na a realidade, desilusão. Deus sabe o que faz, não era pra ser desta vez. Esta querendo me testar. Deve ter reservado coisa melhor pra mim, se consola. No almoço mingau de arroz para todos. O calor da tarde traz um sono enfadado. Acorda com a tosse do menino. Anda uns bons três quilômetros até o hospital. O Médico prescreve três aerossóis, que faz ali mesmo, e passa a receita pra casa. A moça da farmácia dá a rotineira notícia, “Está em falta”. Volta no consultório do doutor. “Não tem outro que substitua não, doutor?” Apela com voz chorosa. Infelizmente não, mas um vidro desse remédio é barato minha filha, é menos que um Poupa-Ganha, tenta consolar o médico que se adivinhasse teria ficado calado.      

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Hipocondria




A vista
Anda embaçada,
Mas os joelhos
Doem pouco.

As costas
Deram um sossego,
Mas o sono
Anda louco.

O nariz
Dorme entupido,
Mas o intestino
Segue solto.

Grito bem alto
“Já posso morrer”,
E sigo em frente feliz,
Embora um pouco rouco.

(18.09.09)