sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Brinquedos do Tempo

Caprichoso e voraz.
O tempo passa silente,
Passa se escondendo
Assim como quem mente.

Enquanto isso
Somamos os números dos anos,
Na inocente tentativa
De contar a vida,
De lembrar o que já se foi,
De tentar entender
O porquê do que fizemos,
Com a vontade imprópria
De eternizar nossos desejos.

Somos simples criaturas,
Não criadores, donos do tempo.
Somos brinquedos que se quebram
Em sua mão de criança malvada.
Somos náufragos perdidos,
Levados pelas ondas
De seu mar incerto.

Somos a lacuna
Entre o possível
E a verdade
Que cada um preenche
Como manda sua vontade.

Fruto desconhecido
Do que plantamos,
Colhemos da terra
Erva daninha ou maçã.

E mesmo que o sol
Não dure a eternidade
Esperamos por ele
A cada manhã.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Barriga D’água.

Agarrou com força a grade e abriu os olhos no teto. Escancarou a boca o mais que pode e gozou de longo e prazeroso espreguiçamento, final  feliz de um profundo sono dos justos.
-         Uaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
Levou a mão até a barriga e não conseguiu abraçar o globo abdominal. Olhou para baixo e não viu os pés. Todos os anos de abdominais e corridas perdidos num sonho bobo qualquer, pensou querendo acordar.
Mas nada, o volume continuava a obstruir seu horizonte. Tentou se levantar e descobriu que o obstáculo era maior que suas forças. Rolou para o lado esquerdo cama abaixo e quicou, como uma bola de borracha, várias vezes até se acomodar no chão. Ficou oscilando para frente e para trás, para um lado e para o outro. O doce embalo lhe entorpeceu os sentidos; dobrou o pescoço e tombou a cabeça. Acordou com a empregada perguntando se podia atender ao telefone, era a mulher ligando do trabalho. Pegou o mais depressa que pode o gancho da mão da moça que saiu sem dizer nada. Será que não notara sua metamorfose?
Sua voz saiu rouca, cheia de angústia, mas a mulher, ignorante do que lhe acontecera, foi ríspida e cruel.
“Canalha, bêbado, cachaceiro. Tomara que tu pegues uma cirrose e acabes com um barrigão d’água do tamanho dum barril, safado”, bateu com o telefone, sem ouvir suas lamúrias.
Levantou devagar, ainda trôpego e foi ao banheiro. Abriu a torneira, lavou o rosto, soltou dois sonoros puns e encarou a figura amarrotada do espelho. Receoso, baixou os olhos lentamente até o abdome...
Tomou um banho ligeiro e saiu sem dizer nada para a empregada. Sentou no primeiro bar que encontrou e pediu uma cerveja. Ficou o dia alisando a barriga reta e desenhada. Já era noitinha quando, totalmente embriagado, finalmente conseguiu rir da praga da mulher. 

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Colheres


Colher de pau,
Para o amor com muito sal.

Colher de mão,
Para conceder meu perdão.

Colher de chá,
Tens o direito de explicar.

Colher de sopa
Vem matar minha fome, vem.


22/01/03 

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Papai Noel Atrasado


Quisera o dom de captar a poesia que exala cada um de vocês. Queria ser a antena transmissora do bem que todos têm a oferecer. Assim mesmo, ouso representar o papel do Papai Noel que habita os vossos corações para oferecer:

Paz: não a dos sem guerra, mas a dos que não conhecem preconceitos e respeitam as diferentes idéias e credos;

Felicidade: não a dos abastados, mas a das crianças, dos ingênuos e dos responsáveis;

Saúde: não a dos atletas, mas a dos que vivem de bem com a vida e nunca se queixam do impossível;

Amor: não o dos lascivos, mas o dos que dão sem orgulho e recebem o mais humilde presente com sincera satisfação;

Sucesso: não o dos poderosos, mas o dos que trabalham com prazer e o fazem muito bem;  

Sorte, não a dos que não conhecem necessidades, mas a daqueles que fizeram amigos de verdade.
  

Número errado


- Alô
- Oi Paulo, sou eu a Lúcia.
- Você ligou para o número errado.
- Oh Paulo, faz isso comigo não.
- Aqui não é o Paulo minha senhora.
- Deixa de brincadeira amorzinho, eu conheço muito bem a tua voz.
- A senhora esta enganada, eu não sou o Paulo. Qual número a senhora ligou?
- Deixa de graça Paulo. Tenho algo sério para conversar contigo.
- Desculpe, mas vou desligar. Tu-tu-tu-tu-tu.

Nem o mais apaixonado coração aguenta levar um gancho na cara. 

- Alô.
- Escuta aqui seu canalha...
- Já lhe disse que eu não...
- Você usa e abusa de mim, depois pensa que pode sair assim...
- sou o Paulo...
- sem ouvir poucas e boas...
- a senhora deve ter anotado...
- Pensa que eu não tenho honra...
- o numero errado...
- nem quem olhe por mim?
- Meu nome é Alfredo...
- Vamos nos encontrar...
- aqui não mora nenhum Paulo...
- no nosso cantinho...
- Eu sou casado, tenho mulher e filhos...
- em duas horas...
- a Senhora esta descontrolada...
- Se não aparecer vou contar
- tente se acalmar e entender que esta cometendo
- tudo pro meu irmão que é da policia...
- um grande equívoco...
- de como você me seduziu...
- O que eu posso dizer...
- fez tudo que é sujeira comigo...
- para lhe trazer à razão?
- agora vem dizer que é casado...
-...
- uma ova.
-...
- pense em me largar assim...
-...
- que eu acabo com a tua vida. Tu-tu-tu-tu-tu.

Nem o mais desligado ser consegue esquecer um telefonema como esse.
Duas semanas depois Alfredo compareceu à 14ª Delegacia de Polícia após ver no programa policial da hora do almoço que um rapaz identificado como Paulo Farias de Carvalho fora encontrado morto num terreno baldio com um tiro na cabeça e outro entre as pernas. Podia ser muita coincidência, mas com uma mulher abandonada tudo é possível, explicou ao delegado.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Despedida da Velha Casa

Nenhuma parede
É eterna.
Nenhuma vida
É para sempre.

Cada tijolo
Conta uma história.
Ouve quem
Quer e sente.

Lembrança
É cada pedaço
Que fica espalhado
Da gente.

Um sorriso
Consola
A saudade
Do ausente.
Olhando ao redor
Leio minha história
E me descubro
Contente.

Pois tenho certeza
Que o aqui plantado
Foi boa semente.

24.12.11

sábado, 24 de dezembro de 2011

Natal


Os homens sempre construíram símbolos para explicar e enfeitar sua existência. Os símbolos, unidos em rituais, fazem a história de cada ser humano. Nascimento, batizado, aniversários, festa de formatura, casamento: vivemos sempre a expectativa da festa por vir. Uma, porém, é tão significativa que, embora se repita a cada fim de ano, carrega uma força exuberante, gigantesca. O dia do nascimento de Cristo é esperado e comemorado por crentes e não crentes como a festa mais importante do ano. Nenhuma outra consegue expressar tanto amor e fraternidade como o Natal. E não é à toa que seja assim. Nenhuma idéia é mais igualitária e fraternal que o cristianismo. Embora seja apenas uma ideia, neste dia vivemos todos esta utopia, e porque não dizer a doce ilusão de que possa se tornar verdade? Afinal de contas o homem não é somente feito de realidades, os sonhos são imprescindíveis. Sonhar é humano, viver é animal. Sobrevivemos como bichos, mas sonhamos com um mundo ideal, onde ninguém é grande ou pequeno, preto ou amarelo, rico ou pobre, feio ou bonito. Viver o Natal é extrapolar, esquecer que o mundo está poluído, sorrir quando se deve chorar, amar quem queremos esquecer. Cristo nasce a cada Natal para os cristãos, mas sua idéia contamina a todos os homens de bem. 22.12.04

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Explicando o Amor


O choro não vem fácil
Para quem não ama.
O coração bate calmo,
As tripas não roem,
A vontade não pulsa.

Amor é coisa difícil,
De explicar
E de sentir.

Parece que nasce do cheiro,
Enche os olhos
Molha a boca,
Arrepia até os ossos,
Zumbe até ensurdecer.

Toma conta dos sentidos,
Entorpece a razão.
Goza de nossa alma,
Não respeita o coração. 

13.11.04

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Dor de Barriga

Larguei tudo meia hora antes. Para que prolongar a agonia de um dia inútil? As pessoas na rua não eram as mesmas de sempre, estavam meia hora atrasadas. O sol brilhava mais forte. A camisa ficou logo ensopada sob o paletó. Dei várias voltas no quarteirão antes de decidir entrar no laboratório, multiplicando espaço e aflição. A recepcionista me recebeu com um asséptico “boa noite”. Disse-lhe que viera pegar um exame; perguntou meu nome completo e consultou o computador. Levantou-se e se dirigiu ao fundo da sala onde da impressora um papel saia devagar, escrevendo linha a linha meu destino. Checou meu nome, dobrou o papel, grampeou num envelope e me entregou com sincero  “boa sorte”. Segurei forte o envelope para não tremer. Cheguei em casa com a mão dolorida, marca de unha na palma, quase sem conseguir esticar os dedos. A cólica voltou e corri para o banheiro. Sentado no vaso sofri, por mais de 30 minutos, as dores da disenteria. Aliviado abri o envelope, não podia prolongar aquela agonia. Lá estava meu nome, meu convênio, o nome do meu médico e em letras centrais em negrito o nome do exame:

PARASITOLÓGICO SERIADO DE FEZES

1a amostra : Entamoeba Hystolítica
2a amostra : Entamoeba Hystolítica
3a amostra : Entamoeba Hystolítica

Liguei pro doutor que me receitou mesmo por telefone.  

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Inimigo Morto


Hoje faz mais de mês
Que meu inimigo morreu.

Dancei,
Bebi,
Festejei.

Depois pedi
Até Implorei.
Confesso também que chorei,
Mas a viúva não ( me ) deu.

06/11/02.


terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Diferença metabólica

Nem elas mesmas se lembravam de quando começou aquela amizade. O fato é que eram inseparáveis. Morenas, uma um pouco mais clara que a outra. Uma secretária de escritório, a outra vendedora de grande magazine. Solteiras, diziam não se importar. O homem certo apareceria cedo ou tarde. De formas arredondadas, tinham muitos centímetros abaixo da altura ideal para o peso.
Somos fofinhas felizes, diziam as gargalhadas, dividindo a pizza família.
De uns tempos pra cá, resolveram finalmente emagrecer, queimar algum excesso de gordura, eufemismo. De uma revista tiraram uma dieta e um programa de caminhadas. Não seria tarefa árdua, prometia a manchete “Perca Peso sem Stress”.
Sem esperar pela Segunda-feira, começaram as caminhadas no Domingo bem cedo. À noite na lanchonete pediram um chá verde com limão e adoçante, nada de carboidratos. Estavam determinadas. Uma dava força à outra. Não faltavam um dia sequer às caminhadas no pólo de lazer. Em pouco todos as conheciam e lhes sugeriam dicas de dietas e produtos milagrosos.
Pareciam estar mais unidas que nunca, afinal perseguiam o mesmo objetivo. Mas nem tudo eram flores. Apesar de seguirem o mesmo programa dietético e físico, uma perdia peso a cada semana, enquanto a outra não deslocava o ponteiro da balança. Passou a olhar diferente a amiga, agora de silhueta bem mais afilada. Um dia enfim perguntou o porquê daquela diferença de resultados. O que estava escondendo? A outra não soube responder e se limitou a dar um sorriso amarelo. Não tinha segredo algum.
  Aquela alegria de antes foi se apagando. Deixou de andar apesar dos protestos da amiga cada dia mais elegante que agora namorava um colega do escritório. Largou a dieta e voltou a se empanturrar de pizza. Ganhou mais uns vinte quilos.
No último Domingo lá estava ela na lanchonete, enfrentando sua calabresa gigante quando a amiga chega com o namorado a tiracolo.
A conversa ia rolando sem graça quando foi interrompida pelo garçon perguntando o que iam querer.
Um suco de açaí com adoç..., mas não conseguiu terminar com a boca atolada de maionese.  

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Amor Perfeito



Meu amor por ti
Nasceu perfeito:
Massagem no pé,
Cantiga de ninar,
Para dormir cafuné,
Muito beijo de língua.

Não cansar de pedir,
Gritar feito louco,
Querer tudo e mais,
Nunca é muito,
Sempre é pouco.

11/10/03 

domingo, 18 de dezembro de 2011

Homem Invisível

O elevador se abriu vazio. Entrei. Só quando a porta se fechou foi que percebi a ausência de minha imagem no espelho. Flexionei a cabeça procurando minha imagem real, o espelho podia estar com defeito, pensei sem fé alguma.   Nada, apenas o granito cheio de manchas e areia. Eu estava realmente invisível. O elevador parou e a chata do quinto andar entrou sem dizer nada. Será que não me via também? Só para confirmar dei-lhe um retumbante bom-dia que saiu mais sincero do que queria. Seu resmungo, apesar de irreconhecível, me deixou feliz: ela não estava só. Entre curioso e perplexo estendi e girei minhas mãos invisíveis diante de meu rosto. A mulher  ficou me olhando, um tanto espantada, e muito pouco por pena de minha loucura.
A porta se abriu no térreo e ela saiu ligeira, se benzendo.
Trabalhei muito o dia inteiro. Nada mudara, eu não mudara, continuava o mesmo, continuava existindo, pelo menos para os outros.

14/04/03. 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Mediocridade


Meu verso frio,
De golpe reto,
Sem dó nocauteia
Minha ilusão.

Sou homem simples
De olhar vazio,
Que tudo assiste
Sem pretensão.

Minha vida é a rotina
Sem dor ou alegria.
Nada em mim fascina.
Prescindo de companhia.

Olho para trás
E nada vejo.
Tudo que fiz
Foi sem desejo.

Meu passo adiante
Tem medo de se perder
Ou seria na verdade,
Vontade de morrer?

21/02/03.

Medo de Dentista


Encabulado, olhando hora pros lados, hora pra cima, muito pra baixo, nunca de frente, olho no olho, cara com cara, senta no sofá colorido e macio, atendendo ao convite da secretária.
-          A doutora não demora nada, sente um pouco, pegue uma revista, tem o jornal de hoje, aceita um café, uma água, só num tá muito gelada.
Não quer nada. Fica calado, alisa o queixo dolorido, olhando a gravura na parede de frente, uns rabiscos estranhos, cores esquisitas, um peito sem mulher, um sol azul, um monte de tinta misturada. 
A moça volta, deve ter ido fazer xixi, depois de três minutos contados no relógio da parede, e lhe pede que preencha a ficha. Olha pro papel e pra caneta, não sabe como dizer que não sabe escrever. Delicada, pergunta se prefere que ela preencha. Enquanto ela escreve, ele, aliviado, responde na ponta da língua, na bucha, conhece a seqüência das perguntas: nome, endereço, telefone, estado civil. Titubeia na última, não está familiarizado com esta: forma de pagamento?
-          Ehhhh, dinheiro vivo, sim senhora, saca o monte de cédulas do bolso e joga sobre a mesa.
Espantada a secretária pega, tira o montante devido e devolve o restante.
Uma senhora loura, muito elegante numa calça branca e blusa cinza, entra na sala, dá boa tarde e entra por outra porta. A secretária explica.
-          É a doutora. Já eu lhe chamo, e entra no consultório.
Fica sozinho na sala, quer ir embora, mas a dor não deixa. 
-          Sr. José Ferreira, pode entrar.
Leva alguns segundos para entender que estão chamando por ele antes de levantar.
A Doutora, agora toda de branco, o recebe com um outro “boa tarde” e com um sorriso bonito e enorme, deve ter recebido a grana, pensa consigo mesmo, e pede que ele se sente na cadeira e abra a boca.
Depois de exame minucioso.
-          Tem alguma alergia?
-          Hum?
-          Já tomou alguma anestesia?
-          Ham?
-          Injeção para não sentir dor?
-          Quero sim senhora, responde ligeiro.
Barulho de metais.
-          Certo, vai sentir só uma picadinha.
A dor vai indo, vai indo embora devagar, devagar, de mansinho, aos poucos até sumir com... comple... completa... completamente. Sente um delicioso torpor se espalhando, desde a cabeça, tomando seu corpo inteiro e ele começa a sonhar. Vê o rebolado da Rita da esquina, como é lindo! Sente o cheiro da comida da Mãe Josefa, que tempero! Prova do gosto da pinga do Seu Valdemar, que delícia! Sente a maciez das notas de cem do último serviço, que sucesso! Ouve a sirene da polícia,...
-          Epa, pula da cadeira.
Corre para a porta ligeiro.
-          Doeu Seu José, pergunta a assustada dentista com a broca ainda zunindo na mão.
-          Desculpe doutora, pensei que era os Home atrás de eu. 

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Incoerência

Onde mora a incoerência?
Na forma,
No conteúdo,
Na coragem de falar
Ou no medo do absurdo?

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Velho Saramago

Creio que todos, quero realmente dizer sem exceção, já foram retidos mais do que desejavam, seja porque tinham algo mais importante, como trabalho, compras para a despensa vazia, compromissos sociais ou até mesmo políticos, ou mais prazerosos, como namorar, jogar futebol ou simplesmente o bate-papo semanal com os amigos na companhia inseparável da cervejinha, existe dúvidas de qual seja o motivo principal, o papo ou a gelada, a fazer do que conversar interminavelmente com um idoso, achei deselegante dizer velho, mas confesso que me arrependi, não existe nada mais natural e desejável, sinal que muito viveu e experimentou, para o ser humano do que chegar à velhice, principalmente se com o vigor mental de um jovem. Suas histórias são invariavelmente longas e entrelinhadas, ramificadas, e parecem nunca chegarem ao fim, sem falar naquelas as quais já ouvimos uns cem número de vezes e que eles repetem com tanta paixão e veemência que temos vergonha ou pena, de interrompê-las com um: O senhor já me contou esta. Depois de muito arrodeio chego por fim ao ponto que queria chegar, não mereço, contudo ser taxado de prolixo, nem que me mandem calar minha lengalenga, poucos são os que vão direto ao ponto, e se o fazem são considerados chatos ou no mínimo apressados. Mas enfim cá estou para revelar esta minha descoberta literária, pelo menos assim a considero, embora não tenha certeza que outros já a tenha feito, e reconheça que a fiz tarde em demasia, pois já vou ao quinto ou sexto livro deste autor, que agora revelo tratar-se de José Saramago. É público e notório que o nobelizado português começou sua vida de escritor quando já ia em anos avançados, provavelmente escrevera quando jovem alguma coisa que deixara esquecido na gaveta de alguma escrivaninha, que provavelmente releu e reutilizou de maneira distinta, mais densa e interessante em suas recentes criações, mas só na velhice foi publicado e tornou-se famoso*. Saramago escreve como um velho de mente jovem, utiliza lucidamente a palavra para contar em frases quase intermináveis sua enorme experiência de vida, que é tudo que se espera de um velho homem produtivo, não conselhos, não mandamentos, regras ou verdades, mas depoimentos, exemplos e considerações sobre a vida, tanto no que concerne a individualidade de cada um quanto suas relações sociais. O texto saramaguiano oferece aos seus personagens opções várias de escolha, dando-lhe total liberdade de decisão. O autor interfere e faz questão que todos notem que o faz na narrativa, mas quem bate o martelo é o personagem. A idéia central de cada livro deste lusitano  José é sempre pitoresca ( como se ele nos perguntasse se algo pode ser considerado estranho num mundo onde esfarrapados cosem roupas luxuosas, famintos servem lautos banquetes, sem-teto constroem palacetes), seja a cegueira que contamina toda uma cidade, uma península que se separa do continente, um jovem e famoso galileu que tem o demônio como tutor, e no caso do livro que hora me serve de inspiração, um homem que descobre uma réplica de si mesmo, embora  o que marque definitivamente seus textos é o amor que ele dispensa ao poder da  palavra escrita, que flui tão natural quanto uma conversa entre dois amigos íntimos, mas exige a atenção egoísta que toda mulher reclama de seu homem. Saramago não economiza quando se trata de palavras, tal qual meu velho pai que não cansa de me contar suas intermináveis histórias.  24/01/03.

*Resolvi manter o texto de 2003, mas hoje sei que Saramago publicou “Terra em Pecado” em 1947, além de alguns contos em jornais em revistas. Escreveu “Claraboia” (livro que comecei a ler ontem) em 1953, mas não conseguiu publicá-lo. Depois disso publicou algumas crônicas e poemas que não tiveram sucesso, que só veio na década de 80 após a publicação de “Levantado do Chão”, livro que inaugura seu estilo tão próprio. 

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Cordel do Pai Oitenta


O Brasil mudou na política.
E no futebol foi penta.
Mas hoje a alegria é maior,
O meu pai faz oitenta.

Falar do pai não é fácil,
Exige muita concentração
É dura queda de braço
Entre o amor e a paixão. 

Meu pai é homem decente
Não preciso nem dizer
Com ele a gente descobre
Que fazer é só querer.

Homem de tanta luta
Talvez não se conheça
Brigou com gente graúda
Sempre em nome da justiça.

Doutor entre o povo simples
Ele nunca se gabou.
Trabalhou por sua gente,
Com muita garra e fervor.

Pros filhos foi o exemplo
Do que é bom e correto.
Se não pode dar o luxo
Deu comida e um teto.

De uma coisa, porém
Sempre fez muita questão,
De formar todos os filhos
Dando-lhes boa educação.

No tanto que ele lutou
Só de pensar, me da pena.
Não sei se conseguiria
Se não fosse a Dona Helena.

Nas noites quentes de verão,
A brisa vence o calor.
Meu coração se derrete
Com o seu beijo de amor.

  
11/11/02.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

A Morte do Amigo

A fila avança lentamente ao lado do caixão do amigo.
O véu fino não esconde a careca e o bigode ridículo, que a mulher não permitiu ser tirado, nem depois de morto. O grupo se junta num canto. Fala-se pouco, um fungado aqui outro ali. É Sexta; finda a tarde.
Enterrado o amigo, se despedem sem palavras. Um adeus de mão é mais que suficiente. Falar abriria a barreira que retêm as lágrimas.
Meia hora depois o primeiro chega ao bar. Logo são dois; ninguém gosta de beber sozinho. Bebem devagar, sem sede. O álcool sobe devagar à cabeça e as palavras vão se tornando mais soltas e espontâneas. Os celulares tocam uníssonos, as mulheres reclamam do despautério. Dão a sincera e óbvia desculpa:
-         Ele adorava esta cerveja de sexta!
-         Era sempre o primeiro a chegar!

Depois da missa de sétimo dia combinam se encontrar para beber o amigo. Hoje são três:
-         Nunca faltou uma sexta!
-         Só saia quando apagavam a luz do bar!
-         Era quem dividia a conta!

Mês seguinte estão no bar, quando chega o quarto:
-         Porra vocês não foram pra missa de mês?
-         Aquele ateu lá queria saber de missa, gostava mesmo era de tomar uma gelada;
-         Saia sempre por último já melado;
-         Dividia a conta e sempre pagava menos que todo mundo.

Ano seguinte: estão todos lá:
-         Poxa, esquecemos a missa de ano;
-         Se fosse a minha ele não teria ido;
-         É, mas ninguém aqui me diz que ele não faz falta;
-         Era um irreverente!
-         Um brinde ao amigo que nunca saiu da nossa mesa!


domingo, 11 de dezembro de 2011

Atirador de Facas



Faca de Cozinha
Guilherme herdou de seu pai as facas e o dom. Mas quando tinha idade e habilidade suficientes, por não ter parceira, não pode apresentar seu número. O jeito foi se contentar em ajudar a mãe na cozinha do Circo, enquanto se aperfeiçoava nos treinamentos.

Faca Cega
Por mais que insistisse, nenhuma mulher do circo queria trabalhar com ele. Guilherme era míope e teimava em não usar óculos.

Faca e colher
Durante uma vesperal conheceu Telma. Ela era babá de duas pestinhas que teimavam em jogar pipocas pros macacos. Namoravam toda noite dentro do globo da morte, até que resolveram se casar.

Faca de fogo
Telma, apaixonada, concordou em se apresentar com ele. Guilherme ganhou fama e dinheiro como o único atirador de facas míope do mundo.

Faca e punhal
O tempo passou. A paixão e o circo perderam a magia. Guilherme resolveu colocar lentes. Só então enxergou tudo e virou manchete nos jornais novamente.   
    

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ausência

Hoje é sexta.
A cerveja me promete
o bafo da liberdade,
mas é incapaz
de me livrar
dos grilhões dessa saudade.

Amor Grileiro


O amor bem chegou,
Olhou, cheirou, usou e,
Sem avisar, já saiu.

Como grileiro safado,
O terreno conquistado,
Vendeu por preço vil.
        
Menos que magoado
Estou é desconfiado,
Que ele nunca existiu.

11/11/02.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Learn English


  Os dois se encontram na esquina.
- Posso ver?
Passa a bolsa para o curioso que senta na calçada e põe-se a bisbilhotar.
-         Puxa, quantos livros!!!
Tira um e pergunta.
-         De que é este aqui?
-         De Geografia. Tem mapas do Brasil, dos Estados...  Mostram todos os rios, montanhas e cidades importantes do País.
-         E este?
-         Este conta a História do Brasil desde o descobrimento até hoje. Já ouviu falar em D. Pedro?
-         Sei lá quem é esse cara meu. Olha quantas letras!
-         É o livro de Português, nossa língua. Ensina a gente a falar e escrever direito, sem erros.
-         Porra. Olha só este aqui cara. Como é colorido!!!
-         Também é o mais importante! É o livro de Inglês, a língua dos gringos. Sem falar inglês, a gente não arranja emprego no mundo globalizado. A televisão está sempre dizendo isso.

Guarda tudo e entrega a bolsa pesada do outro. Pega seu balde e vai para o sinal onde outros moleques já estão limpando os pára-brisas dos carros dos cidadãos do mundo.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Hora Colorida de Dormir

Aquela se chama Marina
Esta, Luiza se chama.
Uma tá de camisola
A outra tá de pijama

De verde tá a Maricota
De rosa tá a Luluca
A de verde parece doidinha
A de rosa parece maluca.

Depois do jantar
Escovar os dentes
Fazer xixi
Correr para a cama.

O pai vem ligeiro
Trazendo o encosto.
O livro de hoje tem
Historias para todo gosto.

Depois da leitura,
Cansada a voz,
Embrulhar as duas figuras
fantasminhas sob os lençóis.

Um beijo para cada dia do mês
Sem direito a apelação.
Mais um extra se sabem
Da pergunta a solução.

2004

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Barbeiro

Enfim tem fim o plantão de 36 horas. O movimento de fim de ano sempre aumenta com os cachaceiros que bebem todo o décimo. No mais as queixas de sempre: atestados, dores nas costas, diarreia, febre e dor de garganta.
Apesar da reclamação do colega organizado e chato, jogo a bata e a máscara usada sobre uma das camas e vou ao banheiro me trocar. O espelho reflete minha triste e quixotesca figura. A barba grisalha de três dias me aumenta a idade. Entro no carro e o sono atrasado reclama pelo motorista inexistente, meu maior sonho de consumo. Toco pra casa devagar, não quero fazer besteira no trânsito justo na véspera do Natal. No primeiro sinal fechado descubro uma barbearia de aparência simpática. O salão está vazio, mas uma voz grita lá de dentro : “Pode se sentar que num demoro nadinha”. Sento; a cadeira reclina com o peso do corpo e do cansaço. O cochilo vem fácil. Acordo com a navalha no pescoço. O homem atrás de mim manipula o instrumento sem cuidado. Aperreado, sob o peso do lençol, suplico-lhe que pare.
“Num se mexe, senão te corto a goela”, ameaça.
Pescoço hirto, imploro clemência e o porquê do ato.
“Doutorzinho safado”, ele fala por entre os dentes quase cerrados.
Olho no espelho e reconheço o bêbado que botei pra fora do consultório ontem à noite, pois exigia um atestado pra namorada que passara o dia na farra com ele.
“Agora tu vai me dar o atestado, filho duma égua, num vai?”
Gaguejo um “dou” espremido e aflito. A mão trêmula tira a caneta do bolso. Peço um papel em branco qualquer. Ele afasta a arma de meu pescoço e vai pegar o papel. De volta bate no meu ombro. “Acorda Doutor, são só dez reais”. Dou-lhe vinte e fujo aliviado.  

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Soneto da Casa Vazia

 A casa vazia zomba de minha dor.
Tento agrada-la:
Abraço-lhe as paredes,
Banho-lhe o chão com lágrimas.

Visto a melhor roupa;
Saio do caramujo.
Finjo fugir da ausência
tatuada na alma.

O ruído da rua esconde a solidão.
A moça inocente se oferece
Não sabe que sou homem incompleto.

Quando retornar,
Voltar à casa vazia,
Estarei mais triste e sozinho.

21/01/04

domingo, 4 de dezembro de 2011

Pai é Quem Cria

Chifre é coisa que botam na cabeça da gente! Todo mundo já ouviu isso, principalmente depois que Falcão se tornou astro do besteirol nacional, e o culto ao corno fez do par de chifres um espécie de patrimônio nacional. Segundo um amigo meu, escondo o seu nome para protegê-lo das amigas leitoras, “toda mulher tem alma de puta”. É claro que não concordo com ele, mas a verdade é que todo homem tem medo de chifre. E tem aqueles que não podem nem ouvir outro homem falar das qualidades de sua companheira. E o pior é que ela nem precisa ter tantas assim. Como diz um outro amigo: “Tem cara que tem coragem de mamar em onça”. Enfim, só escapam das cantada as surdas e as mortas. Noutro dia vi uma conhecida um tanto desabonitada com aquele barrigão e me convenci que afinal todos têm seu lugar ao sol e acabam encontrando sua cara-metade. Voltando a cornagem. O consolo de ouvir elogios à sua atraente mulher é saber que enquanto eles babam você usufrui do apetitoso material. Mesmo porque a angústia do medo de ser corno é inútil. Apenas Adão não teve este problema. Mas será que não foram impulsos edipianos as causas das desavenças entre o sacana do Caim e seu bobo irmão Abel? Deixando as especulações de lado, Adão foi um homem verdadeiramente feliz, pois além de comer a fruta proibida, no caso Eva, e não ter tido sogra para aturar, ainda viveu despreocupado em assuntos corníferos.
Preocupado mesmo é meu amigo Ricardo. Seu trauma é tal que já virou motivo de chacotas de todo mundo, afinal quem não gosta de pisar nos calo alheio. E não é que ele tem seus motivos! Sua esposa é um mulherão. Tanto que por onde ele passa os conhecidos põe-se logo a gritar: “Vai pra casa Padilha”. O cara vira uma fera e responde:
-         Ali só quem mete a mão sou eu!
Quando ela ficou prenhe (adoro esta palavra), tive pena do coitado. Sua alegria foi abafada pelo desespero de tanto ouvir perguntarem pelo pai da criança. O coitado quase perde a cabeça. A mulher cada dia mais rotunda e tranquila tentava acalmá-lo.
-         Oh Bem, quanto mais tu te irritas, mais eles curtem com a tua cara!
Tentava tomar consciência disso, mas não adiantava. Uma vez quase sai às tapas com um gaiato que se prontificara a comparecer com as fraldas e o leite do primeiro ano do bebê.
-         Pai que é pai tem que participar, né?
Coitado do Ricardo. Viu que o único jeito era se afastar da turma e deixar de freqüentar o barzinho. A gravidez foi se adiantando até chegar o grande dia. Fez questão de entrar na sala e assistir ao parto.
-         Quero ser o primeiro a ver o meu filho nascer, disse todo orgulhoso.
A emoção e o choque de presenciar pela primeira vez a um parto normal foram demais e ele quase desmaia na sala.
O Obstetra sugeriu que esperasse a mãe e o bebê no quarto. Chegando lá foi só alegria. Todos, inclusive alguns dos gozadores de outrora, deram os parabéns ao mais novo pai do pedaço. Abriram uma garrafa de espumante e brindaram a nova família. Logo chegou a mulher na maca com a pequena criatura ao seio. O Obstetra veio depois. Ninguém, a não ser Ricardo, notou os olhos vermelhos do médico. Respirou fundo, pegou o nenê e pensou:
“Pai é mesmo quem cria”.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Vernissage

Cheguei às 19h em ponto, horário estabelecido no convite. Minha mulher vive reclamando de minha alma inglesa que não se adequa a infalível impontualidade brasileira. Já passam das 20h e nada do evento começar. O anfitrião confessa estar esperando uma literária autoridade. Aproveito para fazer reconhecimento do espaço cultural onde, sem pudor de declarar minha ignorância, nunca botei os pés. Na fila para a exposição de Rodin estudantes uniformizados esperam em alegre algazarra a hora da próxima visita. As entradas do teatro, dos cinemas e do planetário estão vazias. Rodin monopoliza a cultura fortalezense esta noite. Tudo vistoriado, retorno ao espaço ao lado da livraria onde o colega Célio, bravamente rivalizando com o escultor francês, lançará seu primeiro livro. Minha ponta de inveja, escritor platônico e anônimo que sou, aumenta ao juntar-me à tão volumosa e qualificada plateia. A solenidade de apresentação do livro é breve e objetiva. Um bom produto não necessita de muita propaganda.  Começa o coquetel. Salgados, cerveja e refrigerantes matam a fome e a sede dos convivas que na maioria vieram direto do trabalho. Após uma curiosa panorâmica pelo salão, fixo atenção em um senhor que se destaca dos demais convidados. Recostado à vitrine da livraria, ao lado da saída das bandejas, não perde um garçom. Aproximo-me interessado na figura. Teço elogios ao autor que ele confessa conhecer “só de nome”. Pergunto se o tema do livro o interessa. Não particularmente, responde. Declara-se um frequentador assíduo do espaço cultural e apreciador de toda forma de arte. Num impulso mecênico dou-lhe um exemplar do livro, pois havia comprado vários para presentear os amigos.  Quando viro para ir embora ele me detêm pelo ombro e devolve o volume. “Tome Doutor, obrigado, mas não sei ler”, revela sem cerimônia. Desejo-lhe um sincero “boa noite” e afasto-me desconcertado, enquanto ele alivia mais uma bandeja. Muita vez esqueço que existe outra fome que não a do saber.  

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Velho Lavrador


Quem viveu ou passou pelo interior conhece este retrato:
Um velho lavrador sentado num banco do alpendre de uma casa de reboco, a face marcada de rugas, o chapéu de palha derreado na cabeça, a roupa herdada, amarelada de tão surrada, a perna abraçada, a havaiana fina, o calcanho roído, sobre o banco. Pita um cigarro de palha, o cachorro sarnento recostado por ali. No terreiro em frente da casa uma galinha do pescoço pelado no comando de seus pintinhos, um bode velho e um jumento tão magros quanto o dono. A caatinga reflete o dourado do sol. O calor amenizado vez e outra por uma brisa morna.  A cigarra substitui o barulho da enxada inútil nos tempos de seca. O olhar perdido procura no infinito uma gota de nuvem que nunca vem. Quem quiser pode parar, sentar por ali e sempre poderá ter um dedo de prosa, ouvir uma história dos tempos passados, dos bons invernos e das terríveis secas. Aprender como preparar a terra, semear um grão de milho ou feijão. É um homem simples e humilde que trata de doutor todo mundo que calça sapato, dirige um automóvel, ou mora na capital. Nem pensar em recusar o cafezinho feito na hora pra esquentar o colóquio.
Hoje, no caminho para o trabalho, vi um velho que me pareceu ser um velho lavrador tangido pela seca para a cidade. Estava sentado num banco de alvenaria, na pequena varanda de uma casa do subúrbio, na certa de um filho ou parente. O cigarro de filtro parecia estranho em sua boca. Nenhuma presença humana ou animal por perto. Tinha o olhar perdido, procurava um lugar no infinito. Via além da grade de ferro na frente da casa. A fumaça e o barulho dos carros e ônibus lhe eram indiferente. Estava longe. Uma lágrima solitária inundava o sulco da face pela certeza de que jamais reverá ao seu sertão.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Ler x Escrever

Shakespeare leu em sua vida algo em torno de 14 livros, segundo artigo de uma revista, e escreveu sobre quase tudo. Esta informação mui me intriga, pois tenho lido muito ultimamente, pelo menos para o padrão brasileiro, e confesso querer e precisar ler muito mais. O prazer que um bom livro me oferece é incomensurável. É uma viagem pelo mundo do impossível, uma forma de voyeurismo, pecado que muitos praticam e poucos assumem. Ao ler, rio do ridículo alheio lembrando os meus vergonhosos defeitos. O que dizer então do ato de escrever? Parece-me que é como ler em dobro ou um exercício de imaginação ao quadrado. Escrever é me mostrar por inteiro num processo catársico que nenhum psicanalista consegue me levar. Escrever é me doar, me expor sem pudor e sem medo de parecer ridículo. Escondo-me por detrás de meus personagens, sou um covarde. Depois de muito ler me descobri carente, algo faltava nas linhas que percorria. Por mais que me identificasse com o autor, sentia sua desigualdade com meu eu. Escrevo para ocupar meu espaço, sou bicho insatisfeito que luta pelo direito de falar, gritar e ser ouvido, nem que a platéia seja eu próprio.