sábado, 3 de dezembro de 2011

Vernissage

Cheguei às 19h em ponto, horário estabelecido no convite. Minha mulher vive reclamando de minha alma inglesa que não se adequa a infalível impontualidade brasileira. Já passam das 20h e nada do evento começar. O anfitrião confessa estar esperando uma literária autoridade. Aproveito para fazer reconhecimento do espaço cultural onde, sem pudor de declarar minha ignorância, nunca botei os pés. Na fila para a exposição de Rodin estudantes uniformizados esperam em alegre algazarra a hora da próxima visita. As entradas do teatro, dos cinemas e do planetário estão vazias. Rodin monopoliza a cultura fortalezense esta noite. Tudo vistoriado, retorno ao espaço ao lado da livraria onde o colega Célio, bravamente rivalizando com o escultor francês, lançará seu primeiro livro. Minha ponta de inveja, escritor platônico e anônimo que sou, aumenta ao juntar-me à tão volumosa e qualificada plateia. A solenidade de apresentação do livro é breve e objetiva. Um bom produto não necessita de muita propaganda.  Começa o coquetel. Salgados, cerveja e refrigerantes matam a fome e a sede dos convivas que na maioria vieram direto do trabalho. Após uma curiosa panorâmica pelo salão, fixo atenção em um senhor que se destaca dos demais convidados. Recostado à vitrine da livraria, ao lado da saída das bandejas, não perde um garçom. Aproximo-me interessado na figura. Teço elogios ao autor que ele confessa conhecer “só de nome”. Pergunto se o tema do livro o interessa. Não particularmente, responde. Declara-se um frequentador assíduo do espaço cultural e apreciador de toda forma de arte. Num impulso mecênico dou-lhe um exemplar do livro, pois havia comprado vários para presentear os amigos.  Quando viro para ir embora ele me detêm pelo ombro e devolve o volume. “Tome Doutor, obrigado, mas não sei ler”, revela sem cerimônia. Desejo-lhe um sincero “boa noite” e afasto-me desconcertado, enquanto ele alivia mais uma bandeja. Muita vez esqueço que existe outra fome que não a do saber.  

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