terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Barbeiro

Enfim tem fim o plantão de 36 horas. O movimento de fim de ano sempre aumenta com os cachaceiros que bebem todo o décimo. No mais as queixas de sempre: atestados, dores nas costas, diarreia, febre e dor de garganta.
Apesar da reclamação do colega organizado e chato, jogo a bata e a máscara usada sobre uma das camas e vou ao banheiro me trocar. O espelho reflete minha triste e quixotesca figura. A barba grisalha de três dias me aumenta a idade. Entro no carro e o sono atrasado reclama pelo motorista inexistente, meu maior sonho de consumo. Toco pra casa devagar, não quero fazer besteira no trânsito justo na véspera do Natal. No primeiro sinal fechado descubro uma barbearia de aparência simpática. O salão está vazio, mas uma voz grita lá de dentro : “Pode se sentar que num demoro nadinha”. Sento; a cadeira reclina com o peso do corpo e do cansaço. O cochilo vem fácil. Acordo com a navalha no pescoço. O homem atrás de mim manipula o instrumento sem cuidado. Aperreado, sob o peso do lençol, suplico-lhe que pare.
“Num se mexe, senão te corto a goela”, ameaça.
Pescoço hirto, imploro clemência e o porquê do ato.
“Doutorzinho safado”, ele fala por entre os dentes quase cerrados.
Olho no espelho e reconheço o bêbado que botei pra fora do consultório ontem à noite, pois exigia um atestado pra namorada que passara o dia na farra com ele.
“Agora tu vai me dar o atestado, filho duma égua, num vai?”
Gaguejo um “dou” espremido e aflito. A mão trêmula tira a caneta do bolso. Peço um papel em branco qualquer. Ele afasta a arma de meu pescoço e vai pegar o papel. De volta bate no meu ombro. “Acorda Doutor, são só dez reais”. Dou-lhe vinte e fujo aliviado.  

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