quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Barriga D’água.

Agarrou com força a grade e abriu os olhos no teto. Escancarou a boca o mais que pode e gozou de longo e prazeroso espreguiçamento, final  feliz de um profundo sono dos justos.
-         Uaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
Levou a mão até a barriga e não conseguiu abraçar o globo abdominal. Olhou para baixo e não viu os pés. Todos os anos de abdominais e corridas perdidos num sonho bobo qualquer, pensou querendo acordar.
Mas nada, o volume continuava a obstruir seu horizonte. Tentou se levantar e descobriu que o obstáculo era maior que suas forças. Rolou para o lado esquerdo cama abaixo e quicou, como uma bola de borracha, várias vezes até se acomodar no chão. Ficou oscilando para frente e para trás, para um lado e para o outro. O doce embalo lhe entorpeceu os sentidos; dobrou o pescoço e tombou a cabeça. Acordou com a empregada perguntando se podia atender ao telefone, era a mulher ligando do trabalho. Pegou o mais depressa que pode o gancho da mão da moça que saiu sem dizer nada. Será que não notara sua metamorfose?
Sua voz saiu rouca, cheia de angústia, mas a mulher, ignorante do que lhe acontecera, foi ríspida e cruel.
“Canalha, bêbado, cachaceiro. Tomara que tu pegues uma cirrose e acabes com um barrigão d’água do tamanho dum barril, safado”, bateu com o telefone, sem ouvir suas lamúrias.
Levantou devagar, ainda trôpego e foi ao banheiro. Abriu a torneira, lavou o rosto, soltou dois sonoros puns e encarou a figura amarrotada do espelho. Receoso, baixou os olhos lentamente até o abdome...
Tomou um banho ligeiro e saiu sem dizer nada para a empregada. Sentou no primeiro bar que encontrou e pediu uma cerveja. Ficou o dia alisando a barriga reta e desenhada. Já era noitinha quando, totalmente embriagado, finalmente conseguiu rir da praga da mulher. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário