sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Peneiras

Uma coisa a ciência me ensinou: duvido de tudo que não se possa provar. É claro que o conhecimento e as verdades mudam com o tempo, mas sempre que podemos reproduzir um fenômeno, mesmo que parcialmente, damos um salto no nosso saber. Por isso adorei as declarações do Papa Francisco quando anunciou a verdadeira integração simbiótica entre ciência e fé, evolução e criação, ou o contrário, como julgarem melhor. Prova de que ele está muito preocupado com a intolerância que tanto mal faz ao crescimento mental, social e até mesmo fisiológico da humanidade. Mas o que me traz à pena é outro motivo. É a crença que as pessoas têm em tudo que vê, ouve ou lê. A internet está tão cheia de denúncias, dados e informações que está impossível fazer uma análise desapaixonada da realidade. Subliminarmente falando, sei que é impossível nos desligar do nosso inconsciente e deixar de lado nossa simpatia diante de qualquer informação. Nossa memória é prisioneira de nossos interesses. É da essência do ser. Entretanto julgo que devemos pelo menos parar um pouco e refletir no que “eu” faria no lugar do “outro”. As leis existem para nos ajudar a organizar a relação de interesses. Quem as faz é a maioria. Isto é o que chamamos Democracia, palavra tão cara a tantos que esquecem que até mesmo ela e seus princípios podem, foram e são arguidos por muitos. Basta ouvir os apelos de alguns que pelas redes sociais pedem a volta da ditadura. Muitos se esquecem de que aquela palavra é oriunda da antiga Grécia que adotava a escravidão como coisa mais que natural. Mas este assunto é muito complexo e minha capacidade filosófica não chega a tanto para uma abordagem mais profunda, por isso retomo meu rumo para comentar sobre os compartilhamentos que a gente, me incluo para assumir minha parte de culpa, faz a toda e qualquer postagem que agrada nossa ideologia político social. Proponho aqui que nos transformemos em peneiras. Retenhamos por alguns segundos, minutos, segundos ou até mesmo horas, diante do se vomita por aí. Claro que encontraremos informações úteis que merecem a justa propagação, mas a minha sugestão é que evitemos notícias sem fonte segura e que denigram a moral do oponente. Construamos nossa página como se fosse a nossa cara. Não a deixemos cheia de remendos mal feitos. Afinal deixamos de ser somente o que comemos para ser também o que postamos.   

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Custo Brasil

Ouço muito falar no custo Brasil. Que nossos impostos são altos, a burocracia dificulta a instalação de novas empresas, a nossa infraestrutura é péssima. Concordo com tudo isso. Só nunca ouvi referência à margem de lucro das empresas. Lembro um programa da GN sobre indústria farmacêutica. A memória me insulta (será que é mais um caso de peça que ela me prega?) com a informação que a margem de lucro nos EUA é bem menor do que as praticadas no Brasil. Outra rara referência ao tema colhi em um gráfico sobre as percentagens embutidas no preço final de nossos automóveis, onde os generosos lucros praticados  estimulam e muito a implantação de indústrias automobilísticas estrangeiras no nosso país. É lógico que vivemos sob o império da lei de mercado. Se há quem pague por uma calça só pela etiqueta famosa pregada para exibição do poder aquisitivo do usuário, o vendedor abocanha o máximo que pode. Mas o que quero saber é se há algum estudo, levantamento estatístico sobre o assunto. Qual a média de lucro com que trabalha nossas empresas? E se esta média é maior, menor ou igual, às praticadas pelo restante do mundo. Fiz este questionamento na Globo News e aguardo resposta. Se alguém tiver estes dados gostaria muito que me repassasse.  

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Cabra da Peste

Não é irreal. Certo dia, andando numa Rua do Leblon, ouvi um bêbado num boteco de esquina, berrando alto contra Nordestinos, ou seria Paraíbas, nem lembro direito. É claro que não era comigo, e aquilo sequer me abalou. Estava em terra estranha e sozinho; e a figura nem merecia atenção sequer do dono do bar. Mas o que ficou gravado me resgatou a memória agora com os desabafos preconceituosos contra nordestinos eleitores de quem lhes garante o Bolsa Família. Não acredito nem de longe que isso venha de porção estatisticamente significativa da população sulina. Muito menos de gente bem informada. É só analisar os números com pouco cuidado que veremos que a percentagem dos votos da Dilma é praticamente a mesma no Nordeste e Sudeste(37 contra 36,7%, se não me engano). Entendo o fenômeno mais como uma revolta daqueles que se viram de uma forma ou de outra prejudicados pelo “enriquecimento” de uma classe antes miserável, que teve seus salários aumentados em índice acima da inflação, o que os fez ascenderem à condição de pobres. E os motivos de revolta não param por aí. O sistema de cotas nas Universidades Públicas fez estrago na classe média alta. Sei que passei bem para a Universidade Pública que escolhi por ter feito o ensino médio - sou do tempo do Científico - em escola privada de renomada qualidade. Poucos foram meus colegas oriundos de escola pública. Este simples fato empurrou inúmeros estudantes da classe média alta para as caras Universidades Privadas que se multiplicaram desde então, estreitando a folga orçamentária de muitos. Sei que o assunto merece discussão, a tal da meritocracia está na boca de meio mundo, e o principal argumento contra, que inclusive foi o meu, é que se devia ensinar a pescar, não dar o peixe. Mas quanto tempo leva uma pessoa para aprender a pescar o suficiente para sua sobrevivência? Enquanto isso, devemos deixá-la morrer de fome, enquanto sobra postas fritas nas mesas de tantos? Concordo que pouco se tem feito pelo ensino fundamental. Entendo que a escola em tempo integral é de urgente necessidade e que a carreira de professor precisa de urgentíssima valorização. Proponho que discutamos à luz muito maior do que a do interesse próprio, procurando entender que política é o gerenciamento de opostos. 

sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Mudando de Ideia

Por falar em Miriam Leitão vi um pedaço do programa dela ontem a noite na Globo News. Meu pretenso senso crítico me permite assistir tudo com muita atenção e pouco riso, já recomendava Vininha. Não me incomoda a parcialidade ou não das notícias. Filtro-as com minha reiterada  desconfiança. Pois bem. Confesso que não prestei atenção na fala da representante do Ibope, mas o que me chamou a atenção foi na análise do momento eleitoral  feita pelo Prof Carlos Pereira da FGV.   Segundo ele a situação é a seguinte: Dilma fez um governo de inequívoca promoção social, mas peca pelo fraco desempenho na Macro economia, com consequente baixa taxa de crescimento e retorno da inflação. Aécio, por outro lado, mostra-se como um candidato capaz de dar um impulso, um choque liberal na economia, mas não consegue ser convincente quanto seu projeto social. Dos que já se decidiram poucos mudarão seus votos, apesar das constantes postagens de denúncias e impropérios de ambas as partes, que só servem para acirrar os ânimos e deixar escapar coisas que as "outras pessoas não devem saber", essa vem do rei. A briga então é pelo voto dos indecisos. Vencerá quem for mais convincente da sua capacidade de "mudar", palavra que ganhou vida e voz nos últimos tempos.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Gabriela

Gabriela nasceu fruto do amor indevido, sem planejamento nem vínculo, de um mercador encantado e uma quase menina cheia de sonhos e fácil de enganar. Quando a bolsa rompeu o pai há muito não andava por aquelas bandas do sertão. Cresceu prometendo formosura. Suas pernas roliças, tonificadas pelo caminhar sem fim das lonjuras pra tudo onde se tinha de ir, e sua cintura tortuosa, tal o caminho incerto que a água deixa na terra em forma de rio em tempos de chuva, que o vestido curto e colado que seu corpo de moça vestia deixava mostrar, enfeitiçava quem lhe botava os olhos. Graças aos conselhos da avó e o conhecimento do triste fim da mãe, vítima da insanidade de uma sífilis mal curada, pegada na tarefa de puta do lugar, se manteve Virgenzinha da Silva até que lhe aparecesse o homem que lhe quisesse de verdade. E ele chegou. Chegou num Land Rover preto banhado de pó. Não prometeu mundos nem fundos, mas a visão de sua boca foi o suficiente para Gabriela entender que ali estava o dono de seus beijos tão cuidadosamente guardados. Fugiram depois do descabaçamento. Num levou nem uma muda de roupa para lembrar seu passado infeliz. Viveram dois felizes anos entre uma cidade e outra, percorrendo toda estrada de terra que se pudesse desbravar. Entre um Rally e outro os dois passavam uns dias se amando em algum quarto de hotel. Não tinham casa para criar os filhos que  nunca vieram. Aprendeu com ele a arte da navegação e obtiveram sucesso em várias provas. Mas uma curva mal feita pôs fim ao conto de fadas e Gabriela se viu novamente, depois de dois meses internada, sozinha. Não podia voltar para a sua terra. A avó havia sido enterrada ano passado sem sua presença no funeral. Saiu do hospital sem atinar em nada, com uma muda de roupa e cem Reais doados pelas enfermeiras e médicos. Quando a fome apertou comeu um sanduiche de atum com um suco de manga. Dormiu num motel barato da periferia. Na saída o dono do estabelecimento ofereceu-lhe um emprego fácil, que não exigia experiência alguma, e um sorriso maroto. Gabriela abriu a bolsa, pagou o que devia, deixando bem a mostra o pouco que lhe restara. Depois de agradecer o oferecimento seguiu seu rumo incerto. Assim nascera e assim crescera. Seria sempre assim, até encontrar um novo amor. 

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Beijo

Um beijo
Ninguém nega,
Mesmo que sem vontade.
Não é preciso amor
Muito menos verdade.
Beijo é sinal de carinho
Por toda humanidade.
É desejo que os sonhos
Se tornem realidade.
É a marca que fica

De uma tal felicidade. 

sábado, 4 de outubro de 2014

Psicografia

Foi mui simples começar. Diante da janela, ouvindo o ruído perene do mundo, botei a mão sobre o rosto e comecei a preencher o papel sobre a mesa com todos os sinais que passei a receber, um pouco de cada dor e de cada alegria emanando de todos que não eu próprio, para evitar interferir no processo. A mão estava inquieta - a direita é claro, a esquerda continuava tapando-me os olhos e massageando a testa, os dedos com a função de antenas receptadoras. Passei horas e nada de parar. Não vi a água nem o pão que me serviram – não tinha sede e minha fome era outra. As vozes não queriam calar e minha força foi minguando até desmaiar. Acordei no inferno: tinha ouvido as mensagens erradas.