sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Gabriela

Gabriela nasceu fruto do amor indevido, sem planejamento nem vínculo, de um mercador encantado e uma quase menina cheia de sonhos e fácil de enganar. Quando a bolsa rompeu o pai há muito não andava por aquelas bandas do sertão. Cresceu prometendo formosura. Suas pernas roliças, tonificadas pelo caminhar sem fim das lonjuras pra tudo onde se tinha de ir, e sua cintura tortuosa, tal o caminho incerto que a água deixa na terra em forma de rio em tempos de chuva, que o vestido curto e colado que seu corpo de moça vestia deixava mostrar, enfeitiçava quem lhe botava os olhos. Graças aos conselhos da avó e o conhecimento do triste fim da mãe, vítima da insanidade de uma sífilis mal curada, pegada na tarefa de puta do lugar, se manteve Virgenzinha da Silva até que lhe aparecesse o homem que lhe quisesse de verdade. E ele chegou. Chegou num Land Rover preto banhado de pó. Não prometeu mundos nem fundos, mas a visão de sua boca foi o suficiente para Gabriela entender que ali estava o dono de seus beijos tão cuidadosamente guardados. Fugiram depois do descabaçamento. Num levou nem uma muda de roupa para lembrar seu passado infeliz. Viveram dois felizes anos entre uma cidade e outra, percorrendo toda estrada de terra que se pudesse desbravar. Entre um Rally e outro os dois passavam uns dias se amando em algum quarto de hotel. Não tinham casa para criar os filhos que  nunca vieram. Aprendeu com ele a arte da navegação e obtiveram sucesso em várias provas. Mas uma curva mal feita pôs fim ao conto de fadas e Gabriela se viu novamente, depois de dois meses internada, sozinha. Não podia voltar para a sua terra. A avó havia sido enterrada ano passado sem sua presença no funeral. Saiu do hospital sem atinar em nada, com uma muda de roupa e cem Reais doados pelas enfermeiras e médicos. Quando a fome apertou comeu um sanduiche de atum com um suco de manga. Dormiu num motel barato da periferia. Na saída o dono do estabelecimento ofereceu-lhe um emprego fácil, que não exigia experiência alguma, e um sorriso maroto. Gabriela abriu a bolsa, pagou o que devia, deixando bem a mostra o pouco que lhe restara. Depois de agradecer o oferecimento seguiu seu rumo incerto. Assim nascera e assim crescera. Seria sempre assim, até encontrar um novo amor. 

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