sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Nada Sutil.

Há uma não sutil diferença entre o mundo que a gente quer e o que achamos que deve ser. O primeiro diz respeito a bem mais que um desejo, mais a ver com um ideal, proposta baseada em vivências, procuras, informações e conhecimentos adquiridos ao longo da experiência intelectual e sentimental. O mundo como deve ser tem o ranço da imposição, a primazia de um modo de pensar sobre outro, o desprezo pela opinião diferente, o desrespeito ao contraditório, e uma ilegítima convicção que se quer verdade. 

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Inconfessável

O fato inconfessável é sermos reféns da nossa concretude e consequentementes prisioneiros do diálogo entre a alma e a matéria. O segredo, se é que há, é que somos variáveis dentro de uma teoria, pacto entre o que queremos e o que podemos, singelos personagens de um enredo sem dono.

domingo, 17 de outubro de 2021

Desconhecidos.

Quando cheguei no mundo e não te reconheci foi como me perder dentro de um filme visto e revisto desde sempre. Viver a totalidade dentro de um vazio mais que provável me transformou de um em nada. E me senti frio, calado mais que mudo, mancha do lado intocado do vidro. Porque assim é e está escrito que deve ser. Somos habitantes de paisagens que se estranham, figuras de álbuns que não se complementam, cargas que se afastaram pelo magnetismo natural dos polos, matérias de diferentes densidades, personagens que jamais se cruzarão no enredo que ninguém escreveu. 

Próximos Minutos.

Acordo ouvindo o chamado do mundo. Se a voz é de dor ou de amor, sonho ou pesadelo, o que importa é o que se faz nos próximos minutos, não o que nos exigem. O mundo não é bonito e a lua nunca me pediu para enfeitar o céu. Mais sozinho que eu são quase oito bilhões, nem por isso me arrisco ao abandono. O bem nunca nasce de nós, sempre vem de fora, e nunca vai embora.

sábado, 16 de outubro de 2021

Sábado

O último dia da semana é tão divino quanto o primeiro. O Deus que  acordará amanhã carente de atenções, hoje se recolhe, permitindo às criaturas uma liberdade plena de incalculadas emoções. Todo Sábado nasce lindo. As silhuetas são tão sinuosas quanto harmônicas. Os sons se misturam sincopados em orquestrada sinfonicidade. A luz do sol não pretende ser maior que a lua que inspirará os poetas e os amantes. Irreverente sou particular parceiro da interseção. O brilho da quarta hora da tarde revela uma magia incomum a  minha cética alma. O que sempre quis se confunde com o que foi possível numa concretude imaterial e naturalmente incompressível. A dourada realidade de um fim de tarde, hora propícia para antever um futuro, aconchego de repouso, me encontra sereno e satisfeito com a incerteza do porvir. 

Convicções.

As coisas mais difíceis de explicar são as convicções. Por isso fujo das verdades racionais, e tento enxergar o que se esconde sob os veus das intensões. Penso que um grande erro da classe média crítica, também conhecida como esquerda caviar, seja menosprezar o poder do pensamento conservador, e muito menos do reacionário. Todos as manifestações sócio econômicas estão presentes em qualquer sociedade. Cada um busca a assendência do seu modo de pensar. E quem está com menos naturalmente luta pela virada do jogo.

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Desencontro

... 
Não procuro um encontro
Com o mundo onde caibo.

Sou mais como peixe que 
Não se banha no mar;
Ou pássaro que voa sereno
Sem saber que é mais 
Pesado que o ar. 

Meu espanto se espalha
Entre o ser e o deixar 
De pensar.

Vivo a metafísica 
Da metáfora que se apraz
Em não poder se explicar.

Formiguinha

O mundo não tem o sabor doce dos licores, mas nem por isso estamos desatentos. Nada pode estar bem enquanto uma única criança chorar de fome, e não basta derramar uma lágrima ou fazer uma grande doação para nos sentir desobrigados da tarefa de concertar o que está errado. Ao mesmo tempo não podemos ter a ilusão de que tudo vai melhorar só porque simplesmente queremos. O fato de reconhecermos que anda tudo muito errado, já nos põe no caminho certo. Quando sorrimos para alguém, ou deixamos o apressado chegar na nossa frente estamos mudando o rumo das coisas. Ao escrever uma poesia ou desenhar uma casa com quarto bonecos de mãos dadas ao lado, estamos espalhando esperança, mesmo que as palavras sejam duras ou os traços infantis. O formigueiro depende de cada um, e embora não esteja convencido sobre o conceito universal de humanidade, saio por aí catando folhas e recolhendo o lixo que eu mesmo sei que deixei.

sábado, 9 de outubro de 2021

Baile

Coisas estranhas acontecem 

no percurso da luta.


O homem moralmente puro sonha com os beijos sinceros da puta. 


O céu desencantado de estrelas 

não quer saber de quem é a culpa. 


A roda não gira mais 

por simples falta de espaço.


Os sonhos se embaçam

num farmacológico mormaço. 


Quem ainda se lembra

do aconchego do abraço?


E tudo é pó.

E tudo é sol. 


Matéria e energia

bailam contentes

Num infinito Só. 

Tropeços

Sentir a vida é diametralmente o oposto, antípoda em excelência, a viver os sentidos. A arte brinca com coisas tão tolas quanto ser crias ou criaturas. Como se fizesse vera diferença. Afinal todos somos energia, matéria, pulsões, desejos, anseios de ser mais ou ser até menos. Porque ser pequeno tem inconfessável vantagem: a de agir nos escombros, nos esconderijos da luta que não se mostra, mas queima tal brasa que aquece o sono de quem dorme ao relento de um inverno implacável e inesperado. O certo, a quem renego como pior inimigo, e o errado, onde procuro inspiração para me transformar em algo diferente, são trilhas que nos obrigamos a percorrer, sem a simplória ilusão de nos fazer construir, mas como passos em falsos, tropeços inevitáveis de uma jornada sem sentido maior que tentar amar e ser amado.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Sempremente

O que será 
que percorre todos os caminhos
sem querer chegar 
a destino algum?

Será que somos muitos
Entre tantos 
e inúmeros 
Nenhuns?

O conceito humano 
Sempre se impõe
Como sonho ou 
Mera suposição.

Estamos sempremente
Sós e pouco ou nada 
Imporra mais que uma 
Doce sombra sob
O sol de quem se ama.