quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O Velho Saramago

Creio que todos, quero realmente dizer sem exceção, já foram retidos mais do que desejavam, seja porque tinham algo mais importante, como trabalho, compras para a despensa vazia, compromissos sociais ou até mesmo políticos, ou mais prazerosos, como namorar, jogar futebol ou simplesmente o bate-papo semanal com os amigos na companhia inseparável da cervejinha, existe dúvidas de qual seja o motivo principal, o papo ou a gelada, a fazer do que conversar interminavelmente com um idoso, achei deselegante dizer velho, mas confesso que me arrependi, não existe nada mais natural e desejável, sinal que muito viveu e experimentou, para o ser humano do que chegar à velhice, principalmente se com o vigor mental de um jovem. Suas histórias são invariavelmente longas e entrelinhadas, ramificadas, e parecem nunca chegarem ao fim, sem falar naquelas as quais já ouvimos uns cem número de vezes e que eles repetem com tanta paixão e veemência que temos vergonha ou pena, de interrompê-las com um: O senhor já me contou esta. Depois de muito arrodeio chego por fim ao ponto que queria chegar, não mereço, contudo ser taxado de prolixo, nem que me mandem calar minha lengalenga, poucos são os que vão direto ao ponto, e se o fazem são considerados chatos ou no mínimo apressados. Mas enfim cá estou para revelar esta minha descoberta literária, pelo menos assim a considero, embora não tenha certeza que outros já a tenha feito, e reconheça que a fiz tarde em demasia, pois já vou ao quinto ou sexto livro deste autor, que agora revelo tratar-se de José Saramago. É público e notório que o nobelizado português começou sua vida de escritor quando já ia em anos avançados, provavelmente escrevera quando jovem alguma coisa que deixara esquecido na gaveta de alguma escrivaninha, que provavelmente releu e reutilizou de maneira distinta, mais densa e interessante em suas recentes criações, mas só na velhice foi publicado e tornou-se famoso*. Saramago escreve como um velho de mente jovem, utiliza lucidamente a palavra para contar em frases quase intermináveis sua enorme experiência de vida, que é tudo que se espera de um velho homem produtivo, não conselhos, não mandamentos, regras ou verdades, mas depoimentos, exemplos e considerações sobre a vida, tanto no que concerne a individualidade de cada um quanto suas relações sociais. O texto saramaguiano oferece aos seus personagens opções várias de escolha, dando-lhe total liberdade de decisão. O autor interfere e faz questão que todos notem que o faz na narrativa, mas quem bate o martelo é o personagem. A idéia central de cada livro deste lusitano  José é sempre pitoresca ( como se ele nos perguntasse se algo pode ser considerado estranho num mundo onde esfarrapados cosem roupas luxuosas, famintos servem lautos banquetes, sem-teto constroem palacetes), seja a cegueira que contamina toda uma cidade, uma península que se separa do continente, um jovem e famoso galileu que tem o demônio como tutor, e no caso do livro que hora me serve de inspiração, um homem que descobre uma réplica de si mesmo, embora  o que marque definitivamente seus textos é o amor que ele dispensa ao poder da  palavra escrita, que flui tão natural quanto uma conversa entre dois amigos íntimos, mas exige a atenção egoísta que toda mulher reclama de seu homem. Saramago não economiza quando se trata de palavras, tal qual meu velho pai que não cansa de me contar suas intermináveis histórias.  24/01/03.

*Resolvi manter o texto de 2003, mas hoje sei que Saramago publicou “Terra em Pecado” em 1947, além de alguns contos em jornais em revistas. Escreveu “Claraboia” (livro que comecei a ler ontem) em 1953, mas não conseguiu publicá-lo. Depois disso publicou algumas crônicas e poemas que não tiveram sucesso, que só veio na década de 80 após a publicação de “Levantado do Chão”, livro que inaugura seu estilo tão próprio. 

Um comentário:

  1. Olá, amigo!
    Obrigada pelo comentário no meu blog! Não sabia que havia edição traduzida para o português, desta obra tcheca. Vou atrás!
    Em tempo: está gostando do "Claraboia"? Eu achei fraquinho, indigno do Saramago... Acho que ele tinha razão em manter esse livro como "perdido". Se ele ainda fosse vivo, certamente teria o bom senso de não publicá-lo.

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