sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Medo de Dentista


Encabulado, olhando hora pros lados, hora pra cima, muito pra baixo, nunca de frente, olho no olho, cara com cara, senta no sofá colorido e macio, atendendo ao convite da secretária.
-          A doutora não demora nada, sente um pouco, pegue uma revista, tem o jornal de hoje, aceita um café, uma água, só num tá muito gelada.
Não quer nada. Fica calado, alisa o queixo dolorido, olhando a gravura na parede de frente, uns rabiscos estranhos, cores esquisitas, um peito sem mulher, um sol azul, um monte de tinta misturada. 
A moça volta, deve ter ido fazer xixi, depois de três minutos contados no relógio da parede, e lhe pede que preencha a ficha. Olha pro papel e pra caneta, não sabe como dizer que não sabe escrever. Delicada, pergunta se prefere que ela preencha. Enquanto ela escreve, ele, aliviado, responde na ponta da língua, na bucha, conhece a seqüência das perguntas: nome, endereço, telefone, estado civil. Titubeia na última, não está familiarizado com esta: forma de pagamento?
-          Ehhhh, dinheiro vivo, sim senhora, saca o monte de cédulas do bolso e joga sobre a mesa.
Espantada a secretária pega, tira o montante devido e devolve o restante.
Uma senhora loura, muito elegante numa calça branca e blusa cinza, entra na sala, dá boa tarde e entra por outra porta. A secretária explica.
-          É a doutora. Já eu lhe chamo, e entra no consultório.
Fica sozinho na sala, quer ir embora, mas a dor não deixa. 
-          Sr. José Ferreira, pode entrar.
Leva alguns segundos para entender que estão chamando por ele antes de levantar.
A Doutora, agora toda de branco, o recebe com um outro “boa tarde” e com um sorriso bonito e enorme, deve ter recebido a grana, pensa consigo mesmo, e pede que ele se sente na cadeira e abra a boca.
Depois de exame minucioso.
-          Tem alguma alergia?
-          Hum?
-          Já tomou alguma anestesia?
-          Ham?
-          Injeção para não sentir dor?
-          Quero sim senhora, responde ligeiro.
Barulho de metais.
-          Certo, vai sentir só uma picadinha.
A dor vai indo, vai indo embora devagar, devagar, de mansinho, aos poucos até sumir com... comple... completa... completamente. Sente um delicioso torpor se espalhando, desde a cabeça, tomando seu corpo inteiro e ele começa a sonhar. Vê o rebolado da Rita da esquina, como é lindo! Sente o cheiro da comida da Mãe Josefa, que tempero! Prova do gosto da pinga do Seu Valdemar, que delícia! Sente a maciez das notas de cem do último serviço, que sucesso! Ouve a sirene da polícia,...
-          Epa, pula da cadeira.
Corre para a porta ligeiro.
-          Doeu Seu José, pergunta a assustada dentista com a broca ainda zunindo na mão.
-          Desculpe doutora, pensei que era os Home atrás de eu. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário