quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Desemprego


Desarma o despertador que nunca tocou nos sete anos que trabalha na montadora de carros. Sua responsabilidade sempre venceu a imparcialidade das horas. Iniciara como ajudante de mecânico e depois de um brilhante desempenho no curso profissionalizante assumira o cargo de supervisor de produção na linha de montagem. Agora podia dar uma vida confortável para a mulher e o casal de filhos. Não tinham do que reclamar.
Dá uma olhada lá fora, o calor está chegando e com ele as chuvas de verão. Bota a água no fogo para o café, não quer acordar a mulher que foi dormir tarde por causa da febre do caçula. A chuveirada tira o resto de preguiça do corpo. Café, pão, queijo e uma banana depois e está pronto para sua rotina. Não tira férias há quase três anos. Fecha a porta da frente devagarinho. A noite vai levar os dois ao circo; se o menor melhorar. Passa a mão no Gol 04, está uma belezura, só roda nos finais de semanas. Chega à parada junto com o ônibus da empresa. Conhece todo mundo ali. Formam uma família. A poltrona, ao lado do Jonas, está a sua espera como sempre. Senta e vai logo puxando papo, saber das últimas.
-         A coisa parece que vai arrebentar mesmo cumpade. Tão dizendo que não passa desta semana. O pessoal do sindicato esta pedindo uma reunião há quase um mês e nada. Aí tem coisa.
-         Qual nada Jonas. O pátio tá cheio, mas já teve pior. Lembra do ano passado. O rumor era grande, todo mundo se matando de trabalhar com medo de demissão e tudo ficou bem. Até parece que os caras espalham a miséria para deixar todo mundo com medo de perder o emprego e produzir mais. Essa gente é fogo. Quer ter a gente na mão, comendo quieto.
A cada parada o ônibus enche mais. Alguns sobem ainda com cara de sono, outros de quem nem dormiu. Os mais experientes, com mais de vinte anos de montadora são os mais saudados e festejados. Ninguém fica calado. O assunto é um só, a crise das fábricas.
-         A corda vai arrebentar do nosso lado.
-         O IPI subiu e eles vão botar muita gente para fora.
-         Os homens lá da matriz não querem nem ouvir falar em reduzir os lucros. Preferem fechar as fábricas.
-         O presidente disse que não vai intervir.
-         Eu escuto isso todo dia, vocês parecem que não têm outro assunto, diz nosso amigo. Que tal um circo hoje a noite pessoal. Estou pensando em levar os meninos.
O papo se encerra. Estão quase chegando. No portão da fábrica uma pequena multidão já se amontoa esperando a hora de entrar.
Os relógios dão sete horas e nada do apito. Lá dentro não se nota nenhum movimento. Começa o zum-zum-zum. Os mais exaltados gritam através das grades.
Um desconhecido se aproxima do portão e entrega uma resma de papel para os homens lá fora. Todos, num só coro perguntam-lhe o que esta acontecendo.
-         Não sei de nada, só me pediram para distribuir estes papéis. Não adianta me perguntar nada. Sai tão rápido quanto chegou.
Agora um grande silêncio toma conta do pátio. Todos lêem a um só tempo o temido pedaço de papel. A fábrica está fechada por tempo indeterminado. Todos devem esperar em casa pela decisão final da diretoria. Será enviada carta para todos nos próximos dias. Depois de muito bate-boca resolvem que de nada adianta ficar ali parado. Fica acertado uma reunião no sindicato para amanhã à tarde, para dar tempo dos dirigentes tomarem pé da situação.
Aos poucos o pátio vai se esvaziando.
Chegar a casa mais cedo é motivo de susto grande. A mulher adivinhando o pior enche os olhos d’água, os filhos correm ao seu encontro.
-         Pai, que horas vamos pro Circo, pergunta o mais novo. Sua febre tinha passado.
-         Mais tarde filhote, mais tarde, responde enquanto engole sua dor.


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