quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Sonhos Contidos


Independente, inteligente, bonita. Uma baita morena, belo exemplar da espécie. Difícil imaginá-la ainda virgem nesta altura do campeonato. Quem se aventurou jura que é verdade. Se bem que ninguém tivera a chance de ver para crer. Filha única de fervorosos religiosos, havia tido uma severa educação. Namorar só em casa, debaixo dos olhos dos pais. Pretendentes foram muitos. Todos, enfeitiçados pelos dotes da moça, se submetiam ao rigoroso interrogatório. De regra iam se aguentando a espera de um descuido. Quando acontecia tratavam de atacar, mas para surpresa dos pobres coitados ela os repelia com fervor, punha-os a correr, urrando de indignação. Quase todos os colegas do banco já haviam investido sem sucesso. Agora a tratavam com indiferença. Era estigmatizada como frígida.


Sozinha, na intimidade do quarto, se transformava num vulcão. Sonhava acordada com o príncipe encantado, se entregando de alma e corpo para o futuro marido. Suas noites eram longas, acordava sempre úmida e sedenta.

Por tantas passou que acabou se resignando. Nenhum homem parecia capaz de um amor puro. Conformou-se com a rotina da missa com seus pais, um sorvete na praça com a empregada da casa e as novelas da TV. Foi se acostumando e seus sonhos ficando mais raros.

Os pais não se importavam ou fingiam não ligarem muito para a situação da moça. Pelo contrário, falavam mal dos homens que lhe cortejavam, adjetivando-os de tarados, hereges, marginais. Ela ouvia e calava.
Um Domingo depois da missa seu pai comunicou que não voltaria com elas para casa, teria uma reunião importante com membros da igreja. Fugindo da rotina só retornou já tardinha. Trazia um amigo. Este não contava mais que 30 anos, tinha um rosto simpático e um porte admirável. Apresentado como morador de outra paróquia, em breve se mudaria para o bairro. Após o jantar ficaram a sós na sala, assistindo TV. Trocaram pouquíssimas palavras e ele se despediu com o pretexto de acordar cedo. As visitas se tornaram frequentes e o pedido formal de namoro não demorou. Não se continha de contentamento. Finalmente encontrara o cavalheiro de seus sonhos. Respeitador, inteligente, sensível, extremamente religioso e gostava dos seus pais, com recíproca mais que verdadeira. Namoravam como dois irmãos, beijinhos no rosto, mãos entrelaçadas, um joguinho de cartas com os pais, um refrigerante na esquina. Foram ao cinema no máximo duas vezes. Depois de deixá-lo no portão corria para o quarto e começava a imaginá-lo dentro dela, sentia suas carícias, aquelas mãos fortes e delicadas percorrendo sua macia e imaculada pele. Só conseguia dormir depois de esgotar toda a luxúria que conseguia antever.

O pedido de casamento não tardou. Não queriam esperar mais que um mês. Morariam uns tempos com os pais dela enquanto procuravam com calma sua própria casa. Casaram-se com as bençãos de Deus numa sexta de manhã. Depois do almoço viajaram para uma breve lua-de-mel na serra. Na chegada a mãe percebeu o nítido desapontamento da filha. Sentindo-se na obrigação de saber o que dera errado, ouviu o relato de uma grande decepção. Ele não poderia ter sido mais frio. Considerava-se ainda virgem. O noivo mal a tocara. Mostrara-se distante e a todo o momento dava desculpas para não fazerem amor. Sua mãe a consolou explicando que era a tensão dos primeiros dias de casamento. Seu pai mesmo agira de maneira semelhante e depois tudo ficara bem. Paciência era só do que ela precisava.
     Mas ela não estava disposta a esperar e resolveu partir para a luta. Inventava de um tudo. Perfumes e tônicos afrodisíacos, lingeries provocantes, olhares lânguidos, strip-tease, gemidos e obscenidades ao ouvido, cavalgava-o despudoradamente, mas nada do homem reagir.
     Por fim, cansada da indiferença do marido, aquietou-se. Para este foi um grande alívio. Ficou menos constrangido. Conseguia conversar mais a vontade, pois sabia que não teria que mostrar serviço na cama mais tarde. Seus desejos foram mais uma vez reprimidos. Ela ainda era uma mulher infeliz, mas tinha um marido caseiro, respeitador e gentil. Tinha um amigo, praticamente um irmão.
     Acordou cedo naquele domingo. Estranhou a ausência do marido no quarto. Tentou em vão conciliar novamente o sono. Decidiu dar um passeio pelo jardim. Curtia o calorzinho gostoso do sol das sete quando ouviu um ruído surdo, um gemido contido vindo da garagem. Abriu a porta de uma vez e deparou-se com os dois. Pareciam dois cachorrinhos. Bateu bruscamente a porta e correu para dentro de casa. Na cozinha sua mãe preparava o café. Respirou fundo, aproximou-se e deu-lhe um beijo na testa. Sem dizer nada, tomou a faca da mãe, começando a fatiar o pão duro de ontem para fazer torradas. Os dois pombinhos não demoraram muito. O velho de cabeça baixa. Encontrando o ambiente calmo, nada disseram e sentaram-se à mesa. Ela quebrou o gelo. Com tom sutilmente irônico perguntou se desejavam salsicha com ovos mexidos. Tudo correu na mais completa harmonia. Irradiava uma alegria fora do comum. Terminada a refeição foram se aprontar para a missa. Caprichou no visual. No meio do caminho parou, deu um tchauzinho e sem dizer mais nada sumiu por outra rua. Ninguém lhe perguntou aonde ia.    

    

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