sexta-feira, 4 de junho de 2021

CPI, Emoções Humanas e Ciência Médica

    Entendo a CPI da Covid como um palco político onde os posicionamentos dos seus integrantes ficam bem caracterizados e é bom e justo que assim seja. Não se pode esperar uma total isenção vindas de qualquer dos lados. Ambos os discursos estão bem estabelecidos e o juízo final só será dado na eleição de 2022, isso se nenhum outro fato surgir até lá, o que não é difícil de acontecer num mundo líquido como o nosso. O que conta a favor dos governistas é a distância temporal que nos afasta de Outubro do próximo ano, desvantagem que a oposição tenta amenizar com a imputação direta de culpa do atual governo pela má administração que nos levou a triste situação sanitária que nos encontramos. Encontrar a digital incriminadora na microscópica arma que dizimou quase meio milhão de brasileiros me parece uma tarefa quase impossível, já que o mundo da retórica e das interpretações são tão inúmeros quanto insondáveis. Por outro lado, se não é possível encontrar resíduos de pólvora nas mãos do acusado, pode-se reunir evidências suficientes para se produzir correlação indireta entre causa e efeito. Um exemplo muito claro foi a prematura e declarada aversão a uma vacina proveniente de um país comunista com o apoio de um governador de oposição. Promover aglomerações, não usar máscara em espaços públicos, se declarar publicamente contra o lockdown determinado por quem vive o problema mais diretamente, promover o uso de drogas contra o vírus, são atitudes que não se espera de quem carrega a responsabilidade de dirigir o país. Administrar com seriedade exige o necessário distanciamento das opiniões pessoais. Quando a neurociência nos revela que nenhuma  decisão é tomada sob a hegemônica ditadura da razão - a "simpatia" está intrinsecamente presente e estamos todos continuamente agindo conforme comanda nossas emoções e desejos - exercitar a racionalidade é um desafio que só frutifica com muito esforço e reflexão, embasados principalmente na prática da tolerância. É procurando o que há de "subliminar" nas ações humanas que podemos iluminar as obscuras idiossincrasias do dia a dia. Reconhecendo o ser humano como entidade não somente orgânica, mas eminentemente psíquica, a medicina resgata seus primórdios nos bruxos e feiticeiros da idade antiga e misturam em seu caldeirão terapêutico as especiarias que salvam vidas com as que "prometem" curas. O efeito placebo é reconhecidamente uma realidade. Não é insignificante a prática médica de se prescrever algo, embora sem evidência de eficácia cientificamente comprovada, aos pacientes como forma segura de estimular sua fé e lhe dar o conforto de estar sendo cuidado. Essa assim "justificada" prática tem porém alguns inconvenientes e sérios problemas. O primeiro seria simplesmente o financeiro. Gastar com o que não funciona é claro desperdício de recursos que poderiam ser melhor alocados. Mesmo porque não há melhor placebo que uma empática e esclarecedora conversa. O segundo é quando o próprio médico perde a dimensão do que faz e passa a acreditar no efeito efetivo e milagroso de sua prescrição. Não podemos exigir que todo médico seja um cientista, mas devemos desejar que todos ajam conforme a boa prática de ajudar ao máximo e prejudicar o mínimo possível. Ao entrarmos finalmente no ponto dos efeitos colaterais das drogas, caímos num buraco de três vias possíveis. A cova mais rasa e mais comum é a prescrição de drogas inócuas que vão estimular tão somente o psiquismo curador no paciente. Drogas que nem são citadas nos compêndios farmacológicos, mas que são utilizadas em grande escala, que felizmente não tem efeitos colaterais exceto o já citado  financeiro. O segundo poço não tão raso seria a prescrição de drogas por falha na avaliação diagnostica, quase sempre justificada pelo pecar antes por excesso que por omissão, numa clara ditadura do medo que suplanta o conhecimento e a experiência, exemplificado pelos uso de antibióticos em infecções virais. O buraco se aprofunda e se torna mais escuro quando caímos no submundo das "especulações". É óbvio que nenhuma droga surgiu do nada. Muita observação foi necessária até que se estabelecesse um comprovado efeito terapêutico de cada uma delas. A experimentação e sua alma gêmea, a estatística, geraram uma filha singular a quem deram o nome de Ciência. Menina estranha, de hábitos cautelosos, mas questionadora, avessa às verdades de primeira hora, mas incansável na luta movida pela curiosidade, determinação e pelo inquieto desejo de saber sempre mais. Poucos a entendem muito bem, pois sua linguagem não é muito inteligível para quem tem pressa e simplesmente aceita cegamente tudo que vê pela frente. E é justamente nesse lapso de comunicação e entendimento que vingam as curas mágicas, onde até grandes e renomados médicos e "cientistas" se perdem da racionalidade e se entregam às suas crenças. Salvar o mundo, ser o Super Homem protetor da Humanidade é um sonho adormecido dentro de todos nós. Encontrar a fórmula mágica que nos torne invencíveis faz parte do imaginário de todos os mortais. Julgar a  racionalidade como objetivo último de nossa existência me parece tão utópico quanto indesejável, afinal somos "limbicamente" instruídos para a emoção. Mesmo com esse entendimento não podemos prescindir do uso da observação imparcial e concreta dos fatos, nos dando inclusive o direito de revermos todas as posições no futuro, mas principalmente reconhecendo que somos seres vivos e  portanto mortais. 

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