sábado, 16 de junho de 2012

Dia dos Namorados


A maioria dos casais de amigos conhecidos trocava presentes no dia 12 de Junho. Doce ilusão dos “eternos namorados”.
Com ele era diferente. Combinara com a mulher que não sucumbiriam ao apelo consumista de um mercado capitalista explorador do sentimentalismo cristão e ocidental de uma sociedade hipócrita e conservadora. Há quinze anos viviam alheios a este tipo de ilusão. Tinham uma união baseada no respeito mútuo; um amor maduro e sólido, sem brechas para pieguices.
Entretanto ultimamente vinha notando pequenas diferenças nas atitudes da companheira. O banho mais demorado, um apuro a mais no vestir, mais carinhosa, solta e desinibida na cama.
Decidiu, racionalmente, não criar aquela pulga atrás da orelha e inquiriu-a. “É o tesão pelo meu maridinho que aumentou”, ouviu cheio de satisfação e orgulho.
Ontem, vasculhando seu guarda-roupa em busca de um sabonete, deu de cara com o pacote. Pelo formato devia ser uma caneta. Não é que ela iria fazer-lhe uma surpresa. O espanto inicial foi substituído pela decepção do pacto ideológico ultrajado. Ela sucumbira ao capitalismo e ao sentimentalismo piegas. Deixou a caixa no lugar com a mente ocupada pela dúvida. Retribuir ou não o presente. Dormiu mal aquela noite, pensando no que daria para ela, tarefa mais que difícil depois de tantos anos de abstinência. No trabalho os colegas só falavam da programação para a noite. Presentes, flores, jantares, motel. E ele de lado, indiferente por fora e um turbilhão por dentro. Como a mulher podia ter feito uma coisa daquela com ele? Resolveu sair mais cedo e olhar as vitrines no shopping. Rodou, rodou, rodou e nada. Tudo lhe parecia tão supérfluo. As lojas enfeitadas de corações, os mesmos jargões adocicados repetidos ano após ano, as vendedoras solícitas e sorridentes perguntando: “É presente pra namorada?”. “Não, é pra sua avó”, a resposta impaciente calava na ponta da língua.
Não, não e não. Aquilo não podia estar acontecendo com ele, um baluarte da racionalidade, o inimigo número um do consumismo. Entrou na livraria, escolheu o recém-lançado livro do Rubem Fonseca, que recebera uma ótima crítica, e resolveu o problema.
Chegandoa casa, tomou um banho demorado. Ligou pro Tele Entrega da Pizza Hut e fez o pedido. “Vai demorar cerca de uma hora senhor, temos muitas entregas esta noite”, avisou a moça do outro lado da linha. Abriu uma garrafa de um tinto português e ficou bebendo enquanto punha a mesa.
Ela chegou mais tarde que o costume. Deu um gole no vinho e foi para o banho. Botou um vestido de casa.
-        Já jantou?
-        Pedi uma pizza pra nós, respondeu mostrando a mesa posta.
Sentou-se languidamente no colo do amado. O beijo de língua foi interrompido pela campainha do interfone.
Retirou a mesa e guardou os pedaços restantes na geladeira bebendo devagar a última taça do vinho dando o tempo que ela pediu para se preparar.
Acordou já claro com uma pequena dor de cabeça. Lembrou que não lhe dera o livro, mas relaxou porque ela também esquecera o dele.  Tomou banho e uma xícara de café. Antes de sair deixou o livro na cabeceira da bela e adormecida princesa. Ao meio-dia recebeu um telefonema dela convidando-o para almoçar. Chegou ao restaurante antes do combinado. Estava no segundo chope quando ela chegou toda sorrisos.
-        Rompeu o nosso pacto né. Essa você me paga! Mesmo atrasada: Feliz dia dos Namorados querido, e passou-lhe o pacote que ele abriu bem devagar, sem rasgar o papel.
Parece que não gostou da camisa, pensou ela diante do desencantado príncipe.

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