sábado, 14 de agosto de 2021

A armadilha

José passou tão ligeiro pela porta que o troço armado por mim, tão somente lhe raspou a orelha e caiu num estardalhaço direto no chão, rachando a cerâmica nova, presente do Pastor à mulher do ex pretenso defunto. Ele se virou, me lançou um sorriso debochado e entrou casa adentro, reclamando aos gritos o almoço para Maria. Recolhi o rolo de madeira e estava fechando a porta quando chegaram os dois secretários do Pastor atrás de recolher o corpo. Disse que a armadilha tinha falhado, mas que no mais tardar amanhã o serviço estaria feito. Sem demonstrar contrariedade estenderam a mão para receber o pagamento pelo tempo que perderam e o juro da dívida. Virei o forro dos bolsos, mostrando a liseira que me possuía e que me obrigava a fazer o que não queria. Esse serviço de morte encomendada era novidade para mim, sujeito desde cedo criado na roça e na peleja dos bichos de Deus. Que o Pastor tivesse paciência, que logo o milho vingava e eu pagava todo o devido à Congregação. Sumiram ligeiro igual tinham surgido. Ouvi o ranger da porta se abrindo e do escuro da casa vi José saindo com a arma na mão. A bala se encravou na tora do pau de lei que me salvou a vida. 

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