Abdicar da simplicidade de uma cerveja antes do almoço é quase como desistir da doçura da vida. Enquanto se ouve a frigideira chiar na cozinha, se examina sem dor as intempéries do mundo das ideias e dos fatos. Para que sofrer sem analgésico legal?
A dor que não preenche uma mínima alma não tem permissão de se fazer sentir. Toma-se um gole bem gelado, arrasta-se tudo que cabe na garganta e joga-se ela fora num sórdido e único escarro.
Se pedisse para sofrer, não seria assim, jeito bobo, sem motivo aparente, besteira em forma de gente. Sofreria de fato completo, peito aberto, coração sem desculpa, alma plena de pecado, orgulhoso de cada um. Minuto em que se exalta a veracidade de cada incompreensível destino.
Há lapso incrível entre o que se deseja e o que se entende ser. Os pingos se chocam, as vírgulas carecem de razão, a gramática se embaralha numa modesta intenção de originalidade. Há um terrível anseio de sempre mais na concepção inefável da imortalidade.