Se tivesse que escolher um adjetivo para o José seria paciente.
Nunca chegava sem olhar, analisar o arredor, dar seu célebre suspiro de tolerante
resignação, para só então se incorporar ao ambiente. Esta mesma qualidade
exercitou, para mim até o limite do incompreensível, com seus filhos e netos.
Nunca o vi reclamar do trabalho que demos a ele, até chegava a implorar por
mais. Queria se ocupar, preencher suas horas de aposentado útil. Só fazia
questão que fosse pela manhã. Sua soneca da tarde era inegociável. Não conto as
vezes que me pegou já deitado, depois do meu almoço roceiro, como ele sempre me
insultava, vindo de um serviço em prol da família e de amigos. Chegava arfando,
fingindo cansaço, mas orgulhoso de mais um serviço bem feito. Sua paciência com
este companheiro foi digna de nota. Dizia que eu era aperreado demais. Quando a
gente combinava uma cervejinha lá em baixo, eu quase sempre, impacientemente,
não o esperava. Chegava bem antes e ficava admirando seu passo tranquilo,
faceiro e imponente se aproximando do bar. Nossas rusgas ideológicas foram
insignificantes diante do respeito mútuo que nos afinava. E quando eu, um irrequieto
impulsivo, extrapolava nos argumentos, ele serenamente se calava, para no outro
dia aparecer sem qualquer resquício do ocorrido, me perdoando sem dizer, nem
exigir uma palavra sequer. Seu amor por mim foi muito além do de sogro ou de
segundo pai. Fui seu amigo e conselheiro. Confiava tanto em mim que quase nada
fazia sem minha opinião. Assim como pouco fiz sem sua ajuda e intervenção. Era
meu “secretário”. Nunca pude agradecer as vezes que me levou para festas, onde
ficava tranquilamente bebericando um ou dois copos de cerveja, enquanto eu me
esbaldava com os amigos que ele também cativou e conquistou para o próprio
ciclo de fraternidade. Quando mais precisou de minha ajuda, agradecia quase que
pedindo perdão pelo tempo gasto com ele, mal sabendo do quanto eu me
considerava, mais que um devedor, um felizardo em poder ser útil em seus
momentos mais difíceis. Nem para se despedir teve pressa. Comentei várias vezes
com Silvana que me admirava da força que o mantinha vivo apesar de todo mal que
lhe atraiçoara o coração. Nossa teoria era a da qualidade e quantidade de seu
sono. Mas mesmo nos momentos de vigília, jamais o vi manifestar rebeldia, nem
mágoa ou qualquer inquietude. Provou ser verdadeira a frase tantas vezes
declarada: “Depois dos setenta, o que vier é lucro”. Meu último adeus ao Avôhai foi após o almoço
dos seus 78 anos, ocorrido quatro dias antes de sua despedida. Ele comeu bem,
não dispensou sequer a sobremesa. Deixei-o ainda na mesa e subi para descansar
antes de voltar para o trabalho. Dois dias depois, antes de viajar para a festa
de 25 anos de formatura da Silvana fui ao seu apartamento, mas estava dormindo
e não pude falar com ele nunca mais. Agora mesmo quando fecho os olhos, posso
ouvir sua voz me chamando da sala: “Zeeeeé”, mais uma das infinitas lembranças
que acalentam minha dor e se somam a sua saudade.
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