Há algum tempo um professor - daqueles que justificam este
título por isso vou nomeá-lo: Sebastião Diógenes – me revelou que só após trinta
anos de profissão se sentia seguro com a prática médica. Esta lembrança sempre
me visita o pensamento desde então e me faz refletir sobre minha própria
realidade. Estou com 26 anos de formado e em fevereiro próximo terei completado
24 anos de prática pediátrica. Ainda estou há séculos da capacidade do referido
professor titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Ceará,
mas posso dizer que me sinto maduro o suficiente para encarar minhas
deficiências e buscar amenizá-las. O conhecimento médico tem se desenvolvido muito
e as informações tanto se espalharam pela rede quanto ficaram impossíveis se
serem retidas em sua totalidade. Embora este fato seja a princípio motivo de
júbilo para a nossa época, me incomoda uma frase que não consigo nomear o autor
e diz algo como: “A medicina foi praticada dois mil anos por curandeiros,
duzentos anos por cientistas e os últimos 20 anos por comerciantes”. É uma
afirmação dura de ouvir, concordam? Infelizmente tem certo fundamento de
verdade. Assisto com desconfiança a “tecnificação” do ato médico. A história
clínica e o exame físico foram substituídos pelo exame de sangue e
ultrassonografia. Já comentei com colegas que tenho constatado o
“desaparecimento” dos vírus do meio ambiente. Ninguém mais tosse ou escorre
nariz por causa de partículas virais espalhadas na biosfera por outros narizes
e bocas. A alergia tomou conta de quase tudo. Sem falar das mais que suspeitas
infecções bactérias que levam ao uso indiscriminado de antibióticos e a temível
consequente multi resistência. Não prego o retorno da medicina da Idade Média,
nem a desvalorização das especialidades. Muito pelo contrário. É impossível se
exercer sozinho a medicina do século XXI. Só peço que não nos rendamos sem
resistência a todo e qualquer bombardeio advindo da indústria farmacêutica, nem
caiamos nas armadilhas dos exames complementares desnecessários. Usemos a
importante arma que é o tempo. Tempo para observar e tempo para educar. Desde
criança quis ser médico. Ao entrar na faculdade me encantei por todas as
clínicas por onde passei. Nunca me agradou a prática cirúrgica e/ou obstétrica.
Se num semestre eu bombeava corações, no outro cruzava sinapses neurais. Vi-me percorrendo túneis e caracóis auditivos e navegando por glomérulos renais. As glândulas
quase me cativaram e o fígado adocicou-me a boca. Por fim, refém do amor ao ser
humano por completo, e apaixonado pela alma que habita este corpo, decidi-me
pela clínica geral. Aí falou forte meu lado moleque, menino travesso de tantas
horas por vezes impróprias, que o digam meus colegas de turma que me viam
entrar na sala cantando alto antes do início das provas. A pediatria me abraçou
com força. O tratar com gente pequena me fez olhar o mundo com um toque de
inocência e espanto, “maravilhamento”. Hoje me sinto seguro, sabedor que fiz o
que queria e estou onde um dia quis estar. Muitos podem dizer que foi um sonho
realizado. Penso que foi simplesmente uma escolha pra lá de feliz.
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