domingo, 23 de novembro de 2014

Escolha Feliz

Há algum tempo um professor - daqueles que justificam este título por isso vou nomeá-lo: Sebastião Diógenes – me revelou que só após trinta anos de profissão se sentia seguro com a prática médica. Esta lembrança sempre me visita o pensamento desde então e me faz refletir sobre minha própria realidade. Estou com 26 anos de formado e em fevereiro próximo terei completado 24 anos de prática pediátrica. Ainda estou há séculos da capacidade do referido professor titular de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina do Ceará, mas posso dizer que me sinto maduro o suficiente para encarar minhas deficiências e buscar amenizá-las. O conhecimento médico tem se desenvolvido muito e as informações tanto se espalharam pela rede quanto ficaram impossíveis se serem retidas em sua totalidade. Embora este fato seja a princípio motivo de júbilo para a nossa época, me incomoda uma frase que não consigo nomear o autor e diz algo como: “A medicina foi praticada dois mil anos por curandeiros, duzentos anos por cientistas e os últimos 20 anos por comerciantes”. É uma afirmação dura de ouvir, concordam? Infelizmente tem certo fundamento de verdade. Assisto com desconfiança a “tecnificação” do ato médico. A história clínica e o exame físico foram substituídos pelo exame de sangue e ultrassonografia. Já comentei com colegas que tenho constatado o “desaparecimento” dos vírus do meio ambiente. Ninguém mais tosse ou escorre nariz por causa de partículas virais espalhadas na biosfera por outros narizes e bocas. A alergia tomou conta de quase tudo. Sem falar das mais que suspeitas infecções bactérias que levam ao uso indiscriminado de antibióticos e a temível consequente multi resistência. Não prego o retorno da medicina da Idade Média, nem a desvalorização das especialidades. Muito pelo contrário. É impossível se exercer sozinho a medicina do século XXI. Só peço que não nos rendamos sem resistência a todo e qualquer bombardeio advindo da indústria farmacêutica, nem caiamos nas armadilhas dos exames complementares desnecessários. Usemos a importante arma que é o tempo. Tempo para observar e tempo para educar. Desde criança quis ser médico. Ao entrar na faculdade me encantei por todas as clínicas por onde passei. Nunca me agradou a prática cirúrgica e/ou obstétrica. Se num semestre eu bombeava corações, no outro cruzava sinapses neurais. Vi-me percorrendo túneis e caracóis auditivos e navegando por glomérulos renais. As glândulas quase me cativaram e o fígado adocicou-me a boca. Por fim, refém do amor ao ser humano por completo, e apaixonado pela alma que habita este corpo, decidi-me pela clínica geral. Aí falou forte meu lado moleque, menino travesso de tantas horas por vezes impróprias, que o digam meus colegas de turma que me viam entrar na sala cantando alto antes do início das provas. A pediatria me abraçou com força. O tratar com gente pequena me fez olhar o mundo com um toque de inocência e espanto, “maravilhamento”. Hoje me sinto seguro, sabedor que fiz o que queria e estou onde um dia quis estar. Muitos podem dizer que foi um sonho realizado. Penso que foi simplesmente uma escolha pra lá de feliz. 

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