sábado, 4 de junho de 2022

Cuecas ( texto publicado Antologia Sobrames 2022)

Meteu duas cuecas num saco azul de mercantil e se diluiu na independência. Certezas quase nenhuma, só a arrogância de assumir do que era acusado: egoísta. Qualquer acordo é melhor que uma grande causa. Mais digno aceitar o texto acusatório que tentar se defender com argumentos que ninguém quer ouvir. Deixou o cartão de crédito sobre a mesa da sala. Tinha a convicção de que nada no futuro lhe pertencia ou esperava. Talvez com um pouco de sorte, a noite parasse de chover e um prato de sopa fria espantasse o buraco da fome que sentiria na madrugada. Seguiu com um sorriso ensimesmado nos lábios, reflexo da dor de não se sentir compreendido, mas também com a sincera dúvida se tinha ou não razão. Mas pensando bem, quem escapava incólume da loucura? Quem podia se declarar perfeitamente são e certo? Caiu sem querer num buraco na calçada e ficou indolente à espera da ambulância do SAMU. Talvez encontrasse compaixão em quem era pago para tê-la. Mas já era tarde demais e a ferida não era tão grande assim. Voltou sem desejo ou culpa ao ponto de partida e se calou para o que sobrou de sua ilusão. 

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