quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Coração tão branco ( Livro de Javier Marías)

" ...corremos graves riscos quando falamos". ( Lavoura Arcaica de Raduan Nassar)


Os fiéis pedem na oração perdão pelos pecados cometidos por atos, palavras ou omissões. Parece ser fácil, diante de Deus ou seu representante na terra, professar o pecado cometido, já que diante da infinita misericórdia do todo-poderoso, o perdão é tido como certo. Outra coisa é encarar a lei dos homens, onde o perdão não é concedido antes do merecido castigo: anos de cadeia, execração pública, vergonha, desonra. Quem comete um crime quer escondê-lo, guardá-lo a sete chaves no mais remoto recanto da própria memória. Todo crime merece seu castigo, assim como todo ato pede para ser anunciado. Aí entra a palavra, esta entidade que exige público, ser que nasce necessariamente de uma intenção, consequência de um ato, mas que ganha autonomia após ter sido proferida e ninguém, nem mesmo uma retratação, pode calá-la ou modificá-la. Enquanto o pecado é calado pelo silêncio temporário do segredo, tudo que permeia o ato acaba em dúvida, outra vítima do segredo e da ausência da palavra. E o que falar da palavra sem o ato? Tem culpa quem usa a palavra em vão? Existe palavra sem intenção e intenção sem pecado? Tem o coração puro aquele que soltou o bicho preso e triste que mordeu o vizinho na sua euforia de liberdade? Os atos pedem punição, assim como as palavras pedem ouvidos. Diante de um crime não existem inocentes, todos têm as mãos manchadas de sangue, mesmo que teimem em declarar branco o coração. 23.02.11

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