quarta-feira, 7 de março de 2012

Calendário


Entra no salão do bar. O cheiro de limão enche o ambiente de frescor. Eita mulher trabalhadeira e caprichosa que eu arrumei. O balcão todo arrumado: caneta e bloco de papel pros pedidos. O cesto vazio, pronto para mais um dia de arremessos. A gaveta organizada, cada nota e moeda com suas irmãs. O chão brilhando que dá gosto, pra freguesada elogiar. A pia sem um pingo sequer, os copos emborcados prontos para receber as manchas dos dedos. O freezer até a tampa de mofadas. Toalhas brancas e limpas cobrem as mesas. Ri satisfeito, vá ter sorte assim na casa do Chico.  Essa conhece o ofício, pensa sem medo. Vai até o calendário mudar a folhinha. Chama a fulana aos berros, era bom demais para ser verdade. A moça chega da cozinha de cabeça baixa. Tá tudo muito bem, mas o que dizer do calendário atolado na poeira. Desculpa seu menino, mas essa imoralidade eu não alimpo não, e volta ligeiro para a cozinha.
Pega a flanela e faz o serviço, se o dono não tiver com o olho pregado o negócio degringola. Empregado é tudo igual, não se pode confiar. Onde se viu tamanha imundice. Deixar a minha menina toda suja, sussurra indignado.
O dia corre quente. Pernas entram e saem, braços abrem e fecham portas, mãos recebem e dão troco.
Porta baixada, dinheiro contado, banho tomado, recolhe-se exausto. O cheiro de sabonete vem devagar. Vira-se para ela já pronto para a luta.
A moça resmunga e dá as costas. Quem devia tá com raiva, e com razão, era eu, o calendário estava imundo, o reclamo sai meio dengoso. Mas já esqueci, dá cá um cheiro, puxa de leve pelo ombro. Ela se volta ligeira. O senhor devia de tirar aquela sem-vergonha da parede, diz com os olhos molhados. Isso tudo é ciúme da moça da foto, a pergunta sai no meio do riso pela inocência da menina. É só o retrato de uma magricela seca e sem bunda. Mas os fregueses gostam, que é que se há de fazer, questão de negócio. Nem se compara com a minha gostosona, diz já em pleno engolfo.
Depois do amor tomba sonolento sobre o travesseiro. Acorda, o lado vazio como sempre.
Entra no bar. Tudo nos trinques como sempre. Vai direto para o calendário. Ela entra satisfeita e pega ele de flanela na mão. “Num precisa mais de limpar não seu menino, eu já tirei o pó de cima da coitadinha.”

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