domingo, 22 de março de 2020

Gente Camaleão.

... Não, não sou um pai ou marido exemplar, um abnegado cidadão, nem um magnânimo herói da Saúde como tantas paneladas me querem fazer acreditar. Uma cirurgia recente me condenou a quarentena de um mês, e não pensava em prolonga-la por um minuto que fosse, antes da explosão dessa pandemia. Faltando dez dias para retornar ao trabalho, confesso que me dá um arrepio de insegurança. Sou gente, tenho medo de pegar esse vírus e de espalhar aos entes amados. Sou gente e as vezes me irrito com minha mulher e filhas, companheiras desse fadado confinamento. Sou gente e me indigno com as opiniões estapafúrdias que se espalham pela internet, especialmente as vindas de familiares, amigos e colegas. Sou gente e me isolo ainda mais num livro que me aprisione entre uma página e outra de seu volume. Sou gente e me deixo levar pela tentativa de traduzir em palavras tudo que me insulta os miolos. Sou gente e tomo um ou dois goles de cerveja para tentar relaxar. Sou gente mas sou também um camaleão. Lavo louça, enxugo prato, varro chão, boto carnes para assar, ligo para as pessoas queridas só para saber como estão se virando. Todo dia aprendo uma nova forma de observar as coisas simples da vida. Cada ação ou objeto tem sua justificativa filosófica e é delicioso tentar descobrir a que cada uma se propõe. Um copo vazio na mesa da sala, um telefone que não responde quando a gente chama, uma ambulância que passa estridente na avenida "quase vazia", uma piada que se espalha sobre um assunto tão sério. Já impaciente para terminar esse texto deixo a pergunta : Será que a Justificativa Filosófica da "Peste do Século 21" seja a de fazer todo mundo se descobrir como gente?

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