domingo, 8 de março de 2020

Madrugada

A madrugada me encanta. Não a dos jovens vampiros, que já fui um dia, que adentram pela noite contando com o repouso de um caixão bem vedado que os protegerá dos temíveis raios do divino Apolo. A madrugada que me seduz é a que promete ser início de jornada, é a do último bocejo do sono, a do silêncio que será quebrado em pouco, a da luz que alimentará minha descansada mente. Assistir os primeiros raios do sol com a perspectiva da inclusão e não da fuga em grossos lençóis, me traz a sensação de que o futuro não é mera ficção, não é somente expectativa, mas algo palpável que quase posso ver na silhueta das nuvens que se desenham no horizonte. Paradoxalmente retorno aos primórdios da humanidade e me visto de Neanderthal, um guerreiro herói que se prepara para mais um dia de luta pela sobrevivência. Sempre que me vejo diante de um dilema, recorro ao meu primata ancestral, buscando um conselho com quem maior intimidade teve com a natureza. Retorno a um tempo quando não havia a suposição do ser divino, quando éramos parte integrante de toda matéria e de sua consequente vida. Ainda meio embotado pelos últimos resquícios de sono, me ponho de frente para o leste e fecho os olhos. Aos reabri-los bem devagar, posso sentir, muito mais do que ver, minha pele coberta de pêlos, simbolo do homem que se renova, mas que nunca esquece suas origens.

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